Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

As Boas Mulheres da China

18 de janeiro de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Livros e Filmes | Tags: , , , | 2 Comentários »

A autora deste livro é Xinran, jornalista, professora na School of Oriental and African Studies, Universidade de Londres, e ex-apresentadora de programas de rádio em Nanquim. Foi editada pela Companhia das Letras, em 2003.

Sempre me intrigou a presença marcante das estudantes chineses nas universidades americanas de elite, notadamente Stanford ou Berkeley, na Califórnia e Colúmbia, em Nova Iorque. E no meio do jungle de cérebros e competições, as jovens chinesas sempre se sobressaíram, brilhantes e determinadas, famosas pelo apego aos livros, aos estudos e às pesquisas.

Sentia que havia uma incongruência quando se pensava no país, a China, oprimido por séculos entre as constantes guerras e invasões, a pobreza e o ostracismo. Na história mais recente, mal se libertou do domínio japonês, em 1943, e mergulhou no isolacionismo imposto pela Cortina de Bambu, reforçado pelo totalitarismo insano da chamada Revolução Cultural. Este livro da jornalista Xinran vem esclarecer os muitos mistérios da força que emana das mulheres chinesas.

Em estilo simples, ela relata a memória da opressão e do abandono das mulheres chinesas, sobre as quais realizou uma pesquisa nos anos em que apresentava um programa de rádio, Palavras na brisa noturna, em Nanquim, entre 1989 e 1997. Foi quando o lento processo de abertura da China, iniciado em 1983 por Deng Xiao Ping, tornou possível, para jornalistas corajosos, tentar fazer mudanças sutis nos programas de notícias, até mesmo discutir questões pessoais. Essa pequena abertura permitiu que a gente simples começasse a procurar o programa de Xinran para desabafar e respirar. Xinran seria, então, a primeira das “boas mulheres” de que fala o livro, que é também um verdadeiro libelo contra as terríveis atrocidades cometidas contra as mulheres em nome da Revolução Cultural.

De forma cautelosa e paciente, ela se propôs a discutir problemas femininos sobre os quais poucas ousavam, ou eram permitidas, falar. São relatos de abandono, discriminação, casamentos forçados com oficiais do exército, violências indescritíveis, estupros, incestos, humilhações atrozes. Nessa pesquisa, Xinran consegue fazer com que as mulheres, silenciadas por séculos de opressão, revelem seus medos, provações e como conseguiram se reerguer do caos moral e físico com uma força extraordinária de esperança e resistência, tentando sempre manter unidos corpo e alma, mesmo no meio de sofrimento extremo.

Há inclusive um relato detalhado de uma mãe que, quando do terremoto de 28 de julho de 1976 que devastou a cidade de Tangsham – próxima a Tianjin e Beijing e matou 300 mil pessoas, considerado o 2º mais letal da História, ficou ao lado da filha presa nos escombros, durante “quatorze dias e duas horas” de agonia até a morte. O socorro só chegaria um dia depois da filha morta. Inclusive, a notícia do terremoto só chegaria a Nanquim uns dois dias depois do abalo, através de agências de notícias estrangeiras que souberam do ocorrido pelos registros sismológicos ocidentais. Dá para se ter ideia do quanto os chineses ainda viviam, já nos recentes anos setenta, em completo isolamento quanto aos meios de comunicação. Apesar do progresso propagandeado ad nauseam pelo Partido.

A descrição da agonia do povo perambulando ferido e esfomeado em busca de socorro, abrigo e comida pelas ruas devastadas de Tangsham, se embaralha, vívida, com as imagens do caos que é hoje Port-au-Prince, Haiti.

Finalizando, uma curiosidade sobre o título do livro: a tradução brasileira se baseou na tradução do chinês para o inglês, “The good Women of China”, com certeza calcada deliberadamente no título da peça de B. Brecht, “Der gute Mensch von Sezuan”. O “good” aqui, tem uma conotação, em inglês, diferenciado e mais forte do que “boa” em português. Estaria mais próxima do francês les braves femmes. Assim, “As Bravas Mulheres da China” e, por conseguinte, “As Corajosas Mulheres da China”: embora oprimidas por séculos de repressão e abandono, a força delas foi o esteio que sustentou os filhos, as famílias e a sociedade chinesas, enquanto os homens faziam guerras e revoluções.


2 Comentários para “As Boas Mulheres da China”

  1. Paula de Souza
    1  escreveu às 22:21 em 7 de maio de 2010:

    Olá Paulo!

    Gostei muito do seu texto sobre o livro! Tenho um blog onde funciona uma espécie de clube do livro virtual, o “Ja Leu Esse?”, e nesse mês estamos conversando justamente sobre “As Boas Mulheres da China”.

    Caso queira participar, será muito bem-vindo!

    Dê uma passadinha por lá: http://jaleuesse.blogspot.com

    Bjusss… (^_^)

  2. Paulo Yokota
    2  escreveu às 19:24 em 8 de maio de 2010:

    Cara Paula de Souza,

    Muito obrigado pelo seu comentário, e parabens pela iniciativa. Eu lí este livro há muitos anos atrás, em inglês. Esta resenha mais recente foi escrita pela Naomi Doy, e estou sugerindo a ela entrar em contato consigo.

    Paulo Yokota


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