Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

“O Homem que Amava a China”

8 de janeiro de 2010
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura | Tags: , , , , , , | 1 Comentário »

de Simon Winchester, São Paulo, Companhia das Letras, 2009.

A tradução de Donaldson M. Garschagen do livro “The man who loved China”, com o subtítulo “A fantástica história do excêntrico cientista que desvendou os mistérios do Império do Centro”, é uma biografia do bioquímico inglês Joseph Needham. Ele era da Cambridge University, conquistou prestígio acadêmico muito jovem, faleceu aos 94 anos, em 1995, e era considerado o maior conhecedor da China no Ocidente.

Needham era socialista, ativista, nudista, mulherengo, amante de locomotivas e carros esportivos, e dominava muitos idiomas. Na década de 30 do século passado, passou a interessar-se pela China, chegando a dominar o chinês, inclusive o arcaico. Simon Winchester, o autor do livro, é geólogo de formação e escreveu para consagradas publicações.

Este livro é das biografias mais fascinantes, envolvendo pesquisas profundas e enriquece o fenomenal trabalho de Needham, que organizou o monumental “Science and Civilisation in China”, em seis volumes, a mais completa enciclopédia sobre o assunto. Escreveu dezenas de outros livros e artigos sobre a China, a maioria publicada pela prestigiosa Cambridge University Press. Estava convencido de que o mundo necessitava conhecer mais a Ásia, principalmente a China.

O apêndice lista duas centenas de invenções e descobertas chinesas que influenciaram o mundo e antecederam as ocidentais. Os mais impressionantes foram a pólvora, a imprensa e a bússola, mas inclui ainda a ponte pênsil e até o papel higiênico; e Needham chegou inclusive a usar um veículo movido a etanol durante a Segunda Guerra, quando os britânicos apoiavam a China contra o Japão.

Needham tornou-se autoridade em áreas da História e sobre a China. Chegou pela primeira vez ao País do Meio, em 1943. Era o líder do Escritório Sino-Britânico de Cooperação Científica. Ele realizou mais de duas dezenas de expedições através da China, em plena guerra com os japoneses. De Chongqing (hoje com mais de 30 milhões de habitantes), que era a Capital da China não ocupada pelos nipônicos, foi até o Turquestão chinês, pela Rota da Seda, até a caverna onde tinha sido descoberta, em 1907, uma enorme e antiga biblioteca chinesa.

Needham chegou à conclusão de que a China era o país que mais descobriu e inventou o que de tudo existe de importante para a humanidade, mas que, a partir de algum momento histórico, deixou de transformar seus conhecimentos em tecnologia para o desenvolvimento. O livro e a sua tradução são muito agradáveis para a leitura, e absorve tanto os leitores em geral como os que estão interessados na China em particular. É um eficiente resumo do trabalho de Needham e dos muitos de seus auxiliares, inclusive chineses. Após o seu retorno para Cambridge, depois da Guerra, Needham reuniu, além de um vasto material antigo sobre a China, outras preciosidades. Ele tornou-se amigo também de Chu En Lai e de Mao Tse Tsung.

Needham passou por longos períodos de grandes dificuldades no Ocidente. Depois de suas publicações sobre a China, ele foi reconhecido internacionalmente, de forma cabal. Os encargos da Fundação que leva o seu nome são pesados. Ele e sua segunda esposa, a chinesa Lu Gwei-djen, tiveram que hipotecar sua casa para continuar com os trabalhos da instituição durante um período. Mesmo com mais de 90 anos, ele viajava para fazer palestras para doadores em potencial, a fim de custear a Fundação.

No epílogo do livro, magistral, o bibliógrafo Simon Winchester procura responder a principal pergunta que se fazia Joseph Needham, “por que a China, com a sua base científica e sua longa história, deixou de ter o desenvolvimento que ocorreu na Europa, a partir do Renascimento e principalmente depois de 1850?” O autor especula ainda sobre o futuro da China, que certamente será importante. Uma extensa bibliografia sobre a China consta deste livro, que não pode deixar de ser lido por todos quantos acompanham o recente desenvolvimento chinês e suas consequências sobre o mundo todo.


Um comentário para ““O Homem que Amava a China””

  1. Naomi Doy
    1  escreveu às 14:30 em 6 de janeiro de 2010:

    Não poderia deixar de me apaixonar por este livro e que ele se tornasse uma inspiração. É a história do bioquímico inglês Joseph Needham, e sobre o seu quest pela verdade e pelo conhecimento.

    Excêntrico e curioso, aberto a todas as novidades, Needham era um pesquisador fanático; eclético, tinha uma ampla gama de interesses e era um workaholic inveterado; teve o amparo da religião desde jovem, era sensível às críticas, polêmico e de pavio curto; não fugia das chances que o destino oferecia, fazendo as coisas acontecerem, com ousadia e arrojo. Era "inteligente, culto, intrépido", "pensava grande"; "as pessoas ficavam ansiosas para ajudar, apoiar e cercar de cuidados a Needham": seu carisma atraía a simpatia de quem quer que o conhecesse.

    Galante e sedutor, Needham atraía também as mulheres. Casado com a brilhante bioquímica Dorothy Moyle, manteve um relacionamento extra-marital durante longos cinqüenta anos com a chinesa Lu Gwei-djen, também bioquímica reconhecidamente brilhante; foi ela quem apresentou a China a Needham, por cuja cultura, civilização, história e povo, ele se apaixonaria para sempre.

    Como pesquisador, ativista ou enviado especial do governo inglês, Needham viajou por todos os continentes, mas foi através da China, pelo seu vasto interior, que ele realizou a grande pesquisa da sua vida que o tornaria um grande conhecedor daquele país. Não sem razão, preconizava um futuro grandioso para a China.

    O livro nos dá substância para avaliar e entender a atração que muitos sentem pela China, como Needham.

    Além disso, nos faz compreender porque a China caminha hoje para ser a segunda potência mundial.

    Encantei-me também com Lu Gwei-djen, mulher forte e determinada: saindo de uma China ainda mergulhada no ostracismo, onde os valores deviam ser tão mais rígidos para uma mulher, ela se propôs encarar uma cultura e sociedade tão divergente da sua, e foi parar no meio da elite científico-intelectual de nada menos do que de… Cambridge, conquistando com bravura o seu lugar ao sol.

    Comoveu-me sua coragem de assumir um romance "proibido" na Inglaterra de entre-guerras, ainda muito moralista, preconceituosa, hermética, mesmo em Cambridge, onde se reuniam figuras fora dos padrões normais. Ainda que tenha sido talvez um amor platônico-intelectual, ainda que os dois estivessem inseridos num contexto acadêmico liberal de esquerda, e ainda que a moral taoista-confucionista, na qual ela crescera, não possa ser entendida no mesmo nível que a moral cristã – ainda assim, não teria ela sofrido muito, sob forte desaprovação, preconceito, discriminação?

    Mulher à frente do seu tempo, Gwei-djen também não fugia das chances que o destino lhe reservava, e fazia as coisas acontecerem.

    Gostaria tanto de tê-la conhecido, poder compreender, quem sabe, “essa estranha força magnética" que atrai irremediavelmente um ser para o outro – como ela anotou nos seus apontamentos – e que perduraria imorredoura por mais de 50 anos…


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