Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Partidas (Okubito): Budismo-Cristianismo, Compaixão – Perdão

19 de fevereiro de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Livros e Filmes | Tags: , , , , , , , | 4 Comentários »

a-partida-1 Muito já se falou deste expressivo filme. Apesar de tratar de “mortos”, o tema do filme não é propriamente a morte, como se supõe. Assim como as duas mortes no filme Hanami – Cerejeiras em Flor são “acidentes de percurso”, e a diretora alemã fala é da transitoriedade da vida e das coisas terrenas. Em Okuribito – Partidas , se acompanharmos a trajetória da personagem principal Daigo (um nokanshi, preparador de mortos para colocar na urna mortuária), e de todos os outros personagens que perderam um ente chegado, concluímos que as mortes são elos que ligam a história de todos e que levam a um mesmo tema: a redenção, e o perdoar e ser perdoado, sob a ética cristã.

Claro, num filme japonês há muitas nuances budistas: a purificação e o embelezamento dos mortos para serem levados para o além, observado pelo olhar dos que os amaram, ou que tiveram “entreveros” com o morto por alguma coisa não resolvida, em vida. Tudo num ambiente contido, gestos reservados, e ritual solene. As cenas de um morto sendo manuseado ali, na frente dos familiares, não causam morbidez nem nos despertam rejeição: Daigo, o nokanshi, executa o trabalho com tamanha delicadeza e sensibilidade, como se estivesse interpretando uma coreografia teatral. Esta respeitosa e solene sensibilidade de Daigo leva mãe, pai, marido, ou filho dos mortos à catarse e a cenas de redenção e perdão, que são o ponto alto do filme. E, claro, ao previsível reencontro de Daigo com seu pai, que o havia abandonado e à mãe, por outra mulher, quando Daigo tinha seis anos de idade.

Ele experimentará, enfim, a redenção ao ódio e aos ressentimentos acumulados pela vida inteira. E perdoará o pai, ao constatar, através de uma descoberta insólita e poética, que o mesmo na verdade nunca o havia esquecido. E nos fica a esperança de que tudo vai se renovar, perpetuar. Só vendo o filme para compreender. Os últimos 15 ou 20 minutos do filme transcorrem num crescendo de emoções nos detalhes, olhares, gestos refreados, e no silêncio contido que diz por mil palavras.

A fotografia é belíssima, a paisagem do interior da província de Yamagata, Norte do Japão, registra o tempo transcorrendo lento e inexorável: quando Daigo e a mulher, Mika, chegam de Tóquio à cidadezinha, é fim de outono, os tambos (onde o arroz plantado já foi colhido) estão vazios, a névoa e o vento gelado prenunciam um inverno rigoroso. As primeiras neves cobrem as ruas, as casas, as montanhas, vem o Natal; a neve começa a derreter, estamos na semana do dia 3 de março, Dia das Meninas, hinamatsuri, quando as meninas de reúnem para exibir suas coleções de hinas – bonecas e bonecos miniaturas de princesas, príncipes e daimyos ricamente paramentados, rememorando lendas de antigas cortes.

Quase abril, a exuberante e colorida florada de cerejeiras e tulipas anuncia a primavera: depois do inverno branco (morte), o renascimento. Enquanto Mika transita pelo filme com adorável frescor de alegria e otimismo. Se o budismo está presente nos rituais solenes, nos pequenos gestos de compaixão e solidariedade (omoi-yari), e na reverência aos mortos, idosos e tradições, o cristianismo também, na música, nas mensagens implícitas de Natal, no ato do perdão, da redenção e do renascimento.

Tudo isso intercalado pela esplêndida trilha sonora entremeada de clássicos: Beethoven (cantata Ode à Alegria, da 9ª Sinfonia.), Gounod (Ave Maria), Brahms (das Wiegenlied/Berceuse), e composições para violoncelo, Bach. (Daigo é um ex-violoncelista desempregado, tornado nokanshi por um acaso do destino e por necessidade). Aliás, as composições e interpretações ao violoncelo e toda a trilha já valem as duas horas da sessão.

Um filme sublime para ver, ouvir, sentir, e chorar.

Site oficial do filme: www.departures-themovie.com


4 Comentários para “Partidas (Okubito): Budismo-Cristianismo, Compaixão – Perdão”

  1. Jaime Pereira da Sil
    1  escreveu às 06:28 em 21 de fevereiro de 2010:

    Parabéns pelos comentários sobre este belíssimo filme. Além de tudo o que foi escrito, tem um outro aspecto – encontrar-se numa nova profissão, mesmo que por obra do acaso. Sabemos que milhões de pessoas no mundo escolhem profissões sem que tenham a ver com elas verdadeiramente. Neste filme, o rapaz acaba se apaixonando por uma atividade que jamais passaria por sua cabeça, não fosse a necessidade de sobreviver. Mesmo ganhando pouco, ele encontrou um afazer que o realiza como pessoa. Da morte surge uma nova vida.

  2. Paulo Yokota
    2  escreveu às 17:14 em 21 de fevereiro de 2010:

    Caro Jaime Pereira da Silva,

    Obrigado pelo comentário que adiciona um ponto que não tínhamos notado.

    Paulo Yokota

  3. kazuo
    3  escreveu às 10:46 em 21 de fevereiro de 2010:

    Consegui reviver a atmosfera do filme. Os comentários me fizeram mergulhar na sinestesia do filme.

  4. Paulo Yokota
    4  escreveu às 17:17 em 21 de fevereiro de 2010:

    Caro Kazuo,

    Obrigado pelo comentário. Acredito que o filme nos leva a pensar em muitos aspectos estimulantes.

    Paulo Yokota


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