Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

De Comidas, Sabores e Odores

11 de junho de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , , , , | 2 Comentários »

“Por que tem gente que odeia tanto o coentro?” pergunta Harold McGee, do New York Times, suplemento da Folha de S.Paulo, 17/05/2010. “Por que tanta gente ama o coentro?” replicaríamos nós.

Hoje em dia, o coentro é erva fina da culinária do Nordeste brasileiro, da Ásia, de Portugal, da Espanha, do Peru e alhures. Estudos indicam que predisposição genética pode explicar a rejeição. Ou, simplesmente, talvez seja falta de aventura e boa vontade que nos faz rejeitar de cara certos sabores e odores de comidas que não nos são familiares.

Na verdade, diz-se que o coentro lembra o sabor de sabão para algumas pessoas (que já lamberam sabão?). Para outras, suscita o aroma de roupa de cama infestada de… percevejos. Não sem razão. Segundo Harold McGee, quimicamente, o coentro é composto de fragmentos de moléculas chamados aldeídos, do mesmo tipo dos encontrados em sabões e loções, e em insetos da família de percevejos. Argh!!

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Ceviche de corvina e coentro in natura

Nas ruas de Salvador, Bahia, as barraquinhas espalham o inconfundível aroma do azeite de dendê misturado ao do coentro. Em Recife, é tempero obrigatório para receitas com frutos do mar. Um deleite para apreciadores da comida nordestina.

Os desprevenidos ficam intrigados com o cheiro esquisito que paira no ar de Lima tão logo se desembarca na capital peruana. Se você ama o coentro, é um aroma divino. Se você odeia, é um fedor que infesta desde aeroporto, a ruas, hotéis, restaurantes, todo o ar peruano. Os desavisados, quando descobrem a causa, das duas uma: voltam para o Brasil ou fãs do coentro ou “coentrófobos”. Mas não há quem não aprecie o ceviche de corvina: filés frescos de corvina, em cubos, marinados em montón de sumo de limão, tirinhas de pimentão rocoto (hiperardidos), rodelas de cebola roxa, temperados com sal, alho, azeite opcional, e montón de coentro picadinho. Qué rico!

Em Nanjing, pelas bandas do Portão Zhonghua, ao Sul da cidade, ao redor do Templo de Confúcio, o ar é também impregnado por forte odor característico. São os espetinhos de cubos de tofu fedorento frito (chou doufu) com molho de pimenta. É tofu marinado em salmoura, fermentado por vários dias. Além de frito, pode ser cozido com carne de porco e chili, temperado sutilmente. Haochi! Para a escritora Xinran, o chou doufu lembra o cheiro, sabor e aspecto do “queijo azul frito”. Talvez ela se referisse ao roquefort, da região do Aveyron, Sudoeste da França. Produzido com leite, cru, de ovelha, recebe um tipo de fungo azulado fermentado em massa de pão. Então o queijo é envelhecido carinhosamente em caves úmidas. Rivaliza em cheiro e sabor com os queijos feitos de leite cru de vaca, da Normandia: camembert, Port l’Èveque, Livarot, que são maturados por mofo, envelhecidos também em caves úmidas por 3 a 4 semanas.

Tais queijos, fedidos e de sabor forte, picante, amados por todos os franceses, são tão perigosos quanto saborosos: por serem feitos de leite não pasteurizado, há risco de causar infecção por listeria, mortal para pessoas sensíveis à bactéria. Na França, trava-se uma batalha surda entre os tradicionais pequenos produtores artesanais e a indústria de laticínios do país; estes querem padronizar o uso de leite pasteurizado, em vez de cru, na fabricação de todos os tipos de queijo. Por razões de saúde, segurança e conveniência de transporte e conservação.

Entrementes, arrume uma porção de camembert cru num pratinho, guarneça com morangos doces, ou fatias de pêra ou abricot bem maduros. E uma taça de vinho. Bon appétit!

E que tal o nattoh, grãos de soja cozida no vapor, adormecidos por alguns dias fermentando em ambiente fechado e temperatura adequada? Quando ficam bem gosmentos, cobertos por fungos, exalando forte odor, estão no ponto. Os japoneses apreciam degustar o nattoh misturado com ovo cru, batido, gotas de shoyu (molho de soja), um tico de gengibre duro ralado, e cebolinha picada por cima. Fica sutilíssimo substituir a cebolinha por coentro picadinho (coentro? de novo?). Com uma tigela de gohan (arroz) bem quente, yummy!


2 Comentários para “De Comidas, Sabores e Odores”

  1. Fabio Denda
    1  escreveu às 11:03 em 12 de junho de 2010:

    Como pode numa mesma família, haver diferenças tão gritantes…é casamento de japones com japones, com italiano, com portugues, o ocidente com o oriente numa miscigenação tremenda, e gostos peculiares. Eu por exemplo aadorooo NATTOH humm com um gohanzinho bem quente..delícia, e mais com um ovo in natura misturado ahh é tudo de bom!! mas o que dizer se após ler estas palavras, e só o fato de pronunciar nattoh, o meu irmão aqui do lado correu ao banheiro e “soltou os bofes pra fora”. Como pode então o sabor e gosto estarem tão juntas mas tão distintas. Parabéns aos posts..ame-os ou deixe-os, mas comente tudo no preto e branco.

  2. naomi
    2  escreveu às 08:33 em 14 de junho de 2010:

    Caro Fabio Denda, V. expõe o que faz o mundo (ou uma família) excitante: diferenças e gostos que se completam e se miscigenam.
    O site se sente honrado com a tua visita, connaisseur e expert em nattohs.


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