Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Lori Matsukawa, a Voz Nikkey de Seattle, Washington

23 de agosto de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , , , | 2 Comentários »

Lori Matsukawa Por iniciativa do escritório da Fundação Japão de Nova Iorque, a jornalista nipo-americana Lori Matsukawa está visitando o Brasil, ministrando palestras em várias cidades. Falando sobre o tema “O papel da mídia no convívio multicultural”, Ms. Matsukawa aborda o racismo, direitos civis e a questão da identidade da comunidade asiática na América do Norte. Na cidade de São Paulo, a palestra, seguida de debate, teve mediação do professor Sedi Hirano (pró-reitor de Cultura, USP), e participação dos professores Adriana C. de Oliveira (Univ. Federal do ABC) e Eugênio Bucci (ECA / IEA, USP) e do jornalista Jorge J. Okubaro (editorial, jornal “O Estado de S.Paulo”).

Ms. Matsukawa falou brevemente do histórico dos primeiros imigrantes japoneses nos Estados Unidos, de seus pais em Havaí e depois em Seattle. As conversações sobre a imigração começaram em 1860, e a primeira leva de imigrantes aportou em 1880, 18 anos antes da imigração japonesa para o Brasil. A integração dos japoneses dentro da sociedade americana foi profundamente afetada pela II Guerra. Além do mais, segundo a jornalista, a própria cultura americana impelia a um forte grau de racismo, pois exclusão e discriminação por motivos raciais eram fatos perfeitamente legais. Imigrantes não podiam registrar bens imóveis em seus nomes nem obter, até 1952, nacionalidade americana.

Após o ataque japonês a Pearl Harbour e a consequente declaração de guerra dos Estados Unidos ao Japão em 1941, imigrantes e descendentes foram considerados potenciais inimigos e forçados a deixar as cidades americanas (a maior parte na Costa Oeste, estados da Califórnia e Washington). Tiveram uma semana para vender ou se desfazer de seus bens e aqueles que tinham conexões para tal foram ou repatriados, ou enviados para o Canadá. Outros (cerca de 120.000 pessoas) foram encarcerados em dez campos de concentração no interior do país, como em Manzanar, no deserto da Califórnia. Eles foram rotulados com etiquetas e embarcados como gados – conforme mostrou a projeção de fotos. Famílias com alguma sorte tiveram suas casas, comércios ou plantações cuidados por amigos e vizinhos americanos, brancos, durante os quatro anos de encarceramento. A maioria, porém, perdeu tudo. Contas bancárias foram congeladas ou confiscadas pelo governo. Americanos em geral, segundo Ms. Matsukawa, até recentemente não tinham discernimento do acontecido com japoneses e descendentes durante a guerra – mesmo os nikkeis da geração posterior. Mídia e imprensa em nada tinham favorecido nem esclarecido, e os imigrantes careceram de porta-vozes confiáveis nos meios políticos ou jornalísticos. As próprias pessoas, quando libertadas dos campos, optaram por calar-se, aguentando humilhação e injustiça em silêncio, começando a vida do zero. Na verdade, não tinham onde nem como buscar pelos direitos.

Os alojamentos nos campos de concentração eram precários barracões de madeira e telhados de zinco sem a mínima privacidade, e expostos ao clima de extremos opostos, como no caso do deserto da Califórnia. Cercados por arames farpados, eram vigiados 24 horas por sentinelas armadas. Homens nisseis, cidadãos americanos de 2ª geração de japoneses, foram alistados ao exército americano dentro dos próprios campos, onde se formaram vários batalhões. Segundo a jornalista, proporcionalmente, foram batalhões americanos que mais condecorações receberam por bravura na II Guerra.

Em 1964, o congresso americano aprovou o Civil Rights Act – discriminar cidadãos por motivos raciais tornou-se ilegal em teoria. Em 1988, o presidente Reagan assinou o Civil Liberties Act (contestado por muitos americanos), um pedido oficial de desculpas aos imigrantes japoneses e descendentes americanos que tiveram seus bens sequestrados ou saqueados, estipulando-se uma indenização de US$ 20.000 para cada cidadão encarcerado.

A proposta da jornalista Lori Matsukawa e de um grupo de jornalistas nikkeis e não-nikkeis americanos é de que histórias de minorias injustiçadas sejam sempre reveladas, e cabe à mídia e aos jornalistas a responsabilidade de relatar a verdade. Esse grupo de jornalistas se reúne periodicamente para incentivar a formação de uma rede de coalizão para que descendentes de imigrantes nascidos nos Estados Unidos sejam considerados cidadãos com os mesmos direitos civis e oportunidades de trabalho de qualquer outro cidadão americano – principalmente no campo da comunicação escrita, falada e televisada. Para isso, ela conclama as minorias em geral das Américas “to stand up and speak out”, mantendo ao mesmo tempo, com dignidade, a identidade da herança cultural.

“Pensar a nossa identidade e a história de ser descendente nas Américas”, completou o jornalista Jorge Okubaro.


2 Comentários para “Lori Matsukawa, a Voz Nikkey de Seattle, Washington”

  1. Ernesto Fujiki
    1  escreveu às 10:49 em 24 de agosto de 2010:

    Bom dia Naomi: em Panamá, antes da 2a Guerra, viviam cerca de 120 famílias japonesas, na agricultura e no comércio, já estabelecidos e vivendo como cidadões panamenhos, na área do chinatown do Panamá city. Pela região estratégica do canal de Panamá, na época território e base fortemente militarizada dos USA, ao iniciar a guerra, as 120 famílias tiveram que vender ou abandonar seus bens, em poucos dias e todos foram embarcados p/ USA como prisioneiros. Dizem os panamenhos que muitos enriqueceram pelos “botins” apoderados e deixados por lá.
    Após a guerra foram autorizados a retornar p/ o país, mas nenhuma família retornou, ficando pelas Américas, não só pelas amargas recordações, mas também pela oportunidade. A “troca” foi até melhor p/ os nikeis (palavra dos panamenhos). Tentei, quando morei em Panamá, se tinham algumas literaturas ou anotações sobre a época, mas não encontrei. Achei interessante um rastreamento histórico dessa “mudança” obrigatória da cultura espanhola p/ americana de uma etnia asiática que já estava quase se aculturando em Caribe. Mas me faltou tempo. Esta aí um sugestão para historiadores, pois devem estar vivos esses descendentes espalhados nos USA, e se lembram ainda “del sabor y olor de la tierra caribeña”. Quem visitar o museu do canal de Panamá vai se assombrar das fotos dos tremendos e gigantescos canhões instalados na época, para defesa contra os supostos navios niponicos que viriam a bombardear o canal. Unicas fotos que ligam a lembrança dos japoneses da época.

  2. naomi
    2  escreveu às 21:37 em 24 de agosto de 2010:

    Caro Ernesto, thanks pelas ricas e interessantes informações. Realmente um fato histórico raro a ser pesquisado. No Panamá talvez ainda se explicasse, por que era um sítio militar estratégico, numa época de paranóia e caça à bruxas. Mas no Peru e Argentina também, imigrantes japoneses foram deslocados para os campos de concentração americanos, perdendos seus bens. Não me consta que foram indenizados.


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