Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Devolução de Tesouros Históricos e Arqueológicos

16 de dezembro de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Cultura, Depoimentos | Tags: , , , ,

Acordo firmado pelos governos do Japão e Coreia do Sul estabeleceu, para o fim deste ano, a devolução de objetos históricos coreanos levados para o Japão durante a dominação japonesa da península coreana. Entre os mais de 1.200 itens negociados, incluei-se conjunto de arquivos do protocolo real da Dinastia Joseon (1392-1910). Igualmente, após disputa de décadas, o Peabody Museum of Natural History da University of Yale, New Haven, vai devolver ao Peru, a partir do início de 2011, cerca de 4.000 objetos extraídos das ruínas de Machu Picchu. A coleção inclui peças de cerâmica, têxteis e ossos levados pelo estudioso Hiram Bingham III, entre 1911 e 1915, patrocinado pela Fundação Peabody-Yale.

São notícias alvissareiras, aquietam corações daqueles que, visitando ricos museus mundo afora, se questionam até onde iria a legalidade da possessão de milhares de objetos arqueológicos supostamente levados para “pesquisa” e nunca devolvidos. Monumentais peças pré-colombianas e incaicas estão em alguns dos mais conceituados museus ligados ou não a prestigiosas instituições universitárias americanas. Múmias, totens, esculturas de pedra, máscaras e potes de cerâmica, objetos de jade, prata, ouro e tecido de civilizações asteca, maia, inca, mochica etc., fazem qualquer pessoa imaginar que nada deve ter restado das ruínas desses povos nas Américas Central e do Sul. Belíssimas peças da mais fina arte pré-colombiana em puro ouro maciço lembram que o El Dorado existiu, sim.

Os detentores dessas coleções alegam, não sem razão, que não tivessem esses tesouros sido levados, catalogados e preservados devidamente em locais seguros e adequados, hoje estariam todos vandalizados, derretidos, sumidos e que, da maneira como estão conservados, mais pessoas poderão apreciá-los. Os países de origem, por sua vez, contestam: acusam o imperialismo de governos e instituições patrocinadoras de terem feito saques e pilhagens em indefesos países coloniais. Por exemplo, instalando-se de mala e cuia junto às ruínas maias de Chichen Itza, Yucatán, México, o suposto arqueólogo Edward Thompson levou equipe a escavar sítios sem o devido rigor científico, nos anos 1890. Negociações levaram o governo mexicano a reaver alguns dos objetos levados ao Museu de Etnologia Peabody-Harvard, e Thompson se safou das acusações de pilhagem e venda. No Peru, além de Machu Picchu, das maltratadas ruínas pré-colombianas da costa norte do país também saíram preciosos objetos de ouro e pedras preciosas. Na verdade, a pilhagem vem de longos séculos: diz-se que o ouro levado à Espanha por conquistadores das Américas causou tamanho desequilíbrio monetário que chegou a desestabilizar a economia europeia na época. Na França, até hoje a expressão “ce n’est pas un Pérou” indica situação de muita riqueza, como em “a herança recebida não é nenhum Peru, mas dá pro gasto”.

Pilhagens e saques sempre foram demonstrações de força e poder ao longo da história. O maior deles talvez tenha acontecido quando Rússia e Inglaterra disputavam o Grande Jogo de influência na Ásia Central, nos fins do século XIX: segundo constatou o historiador Joseph Needham em 1943, Aurel Stein, explorador a serviço de sua majestade em 1907, levou algo como 24 vagões cheios de papéis e objetos antigos de uma das cavernas de Mogao, a 25 km de Dunhuang, norte da China. Needham o classifica como um dos mais ricos achados da história da arqueologia: objetos e documentos guardados durante séculos por monges, copistas e peregrinos budistas, só descobertos, então, 900 anos depois (Simon Winchester, “O Homem que Amava a China”, páginas 176-187). Espalhados por museus da Europa e Ásia (British Library, British Museum, Srinagar Museum, National Museum de Nova Delhi, Índia, e afins), ficaram longo tempo esquecidos em seus porões. No Reino Unido, hoje estão sendo cuidadosamente catalogados e digitalizados. Através de senha, internautas vão poder visualizá-los, quiçá copiá-los, inclusive a mais rica descoberta de Stein, o Sutra do Diamante: são rolos de pergaminho com transcrição de sutras budistas considerados o mais antigo documento impresso da história da humanidade. Em “Tung huang (Tonkô, 1959), o escritor Yasushi Inoue tece uma apaixonante história sobre como, quando e porque muita seda e bateladas de sutras, documentos, pinturas, esculturas e relíquias búdicas foram zelosamente guardados nessas cavernas de Mogao, próximas de onde partiam caravanas pela Rota da Seda. Há dez séculos.



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