Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

“Tiger Mothers” e “Kyoiku Mamas” versus Cognitivismo e Summerhill

26 de janeiro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , , , , ,

A educação formal nas escolas como conhecemos sofreu duas grandes transformações entre 1960 e 1970. Até então, grosso modo, assumia-se que o aluno era um ser passivo cujo comportamento se moldava e modificava através de aplicações positivas ou negativas de estímulos. Experimentos behavioristas realizados em laboratórios com animais eram generalizados para aplicações em humanos. Ratos em labirintos, testes de Pavlov com cães, lembra-se?

Ao redor de 1960, propostas cognitivistas passaram a substituir as behavioristas como paradigma. A psicologia educacional se foca então em atividades mentais mais profundas: as pessoas não são animais programados que apenas respondem a estímulos exteriores, mas seres racionais capazes de participar ativamente para aprender; suas respostas são consequências da capacidade de estabelecer conexões de ideias. O cognitivismo usa a metáfora da mente como um computador: informação recebida (input) é processada pelo cérebro, e resulta em respostas (output).

Para a didática e a metodologia do ensino, isso significou grandes mudanças em todos os campos, o maior deles talvez no ensino de línguas estrangeiras – no Brasil, o ensino do inglês como 2ª língua. Foi preciso rever toda a metodologia; fizeram-se reciclagens nos Estados Unidos, especialistas americanos foram convidados para orientar professores de língua e linguística em São Paulo. A União Cultural Brasil-Estados Unidos foi das pioneiras. Métodos foram revistos, livros didáticos refeitos, mães que tinham estudado no método antigo questionavam desconfiadas os novos livros adotados para os filhos. Repetição automática e decoreba tinham chegado ao fim: agora o aluno participava ativamente, estabelecia conexões, seus neurônios processando a mil megabytes.

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Capa do livro Liberdade sem Medo e fachada da escola na Inglaterra

Ao mesmo tempo, a pedagogia educacional sofria também novidades impactantes que vinham de Norfolk, Inglaterra. Apesar de A.S. Neill já ter estabelecido seu método em 1927, o mundo conheceu a educação liberal proposta em Summerhill apenas quando seus livros começaram a ser publicados, anos 60: Summerhill-Uma Abordagem Radical na Educação da Criança, Liberdade sem Medo, Liberdade na Escola, Liberdade no Lar… Dez milhões de exemplares vendidos somente nos EUA, nos primeiros anos. Torna-se leitura obrigatória em faculdades de formação de professores. A instituição Summerhill recebe doações de celebridades e anônimos do mundo inteiro; Summerhill é considerado o livro mais desafiador no campo da educação desde Emílio, de J.J. Rousseau, A.S. Neill é comparado a educadores como Pestalozzi: “trazem luz e amor para lares e escolas onde só havia tirania e medo”. Recebe aval de gente como Bertrand Russel, Erich Fromm, Sir Herbert Read, Henry Miller, H. G. Wells. Curiosidade: além de a primeira tradução ter sido em japonês, a partir de 1970 o maior contingente de alunos estrangeiros matriculados em Summerhill vinha do Japão. Contradição irônica, quando, em pleno período do milagre econômico após colapso na II Guerra, o Japão pleiteava excelência em tudo. “Kyoiku mamas” (mamães educação) empurravam filhos para atividades educacionais e extracurriculares em tempo integral; aos dois/três anos de idade eles já começavam a ser preparados para a feroz competição de assegurar vaga em universidade de elite.

Summerhill ia contra a corrente de todas as kyoiku mamas. A. S. Neill pregava que a humanidade estava doente por causa do treinamento repressivo que as crianças recebiam numa sociedade patriarcal. A filosofia básica de Summerhill consiste, até hoje, no autogoverno das crianças e na valorização do emocional em relação ao intelectual; a escola deve objetivar a felicidade da criança e seu ajuste emocional natural, sem tentar moldar o seu caráter, deixando que ele se desenvolva em liberdade. As crianças estudam porque acham agradável estudar, e não porque exista um diploma a tirar, um rígido programa a cumprir, ou o sucesso de excelência acadêmica a atingir.

Summerhill despertou muita controvérsia e ira, claro: acusou-se que ela era libertina, anarquista, subversiva, utópica. Mas o mundo acabou adaptando e assimilando muitos dos seus conceitos. No Brasil, imigrantes japoneses buscavam também excelência na educação para seus filhos. Porém, aqui, a causa era outra. Como todos os imigrantes, eles desejavam apenas que seus filhos se integrassem o mais rápido possível à sociedade brasileira, e conquistassem seu lugarzinho ao sol dentro dessa sociedade.

Em notável artigo de página inteira, caderno Cotidiano-Saber, Folha de S.Paulo, 24/janeiro/2011, Hélio Schwartsman comenta sobre o documentário Race to Nowhere, da americana Vicki Abeles: uma crítica contundente à cultura de alta performance que impera nas escolas da classe média alta nos Estados Unidos, e que vale para qualquer lugar no mundo – (e nos lares como a da professora da Yale, Amy Chua, diria eu; vide post de Paulo Yokota, Exigência na Educação dos Filhos, 14/janeiro/11). Passo informação do jornalista para adquirir o DVD: www.racetonowhere.com

Mais: em 22 de janeiro, na segunda página do mesmo jornal (A Vingança da Decoreba), o jornalista fala sobre pesquisa publicada na revista Science, que Schwartsman acha vai deixar alguns pedagogos de cabelos em pé: alunos que estudam por métodos do tipo decoreba, aprendem muito mais do que os que utilizam outras técnicas, cognitivistas ou afins. Ahhn, V. leu? E concorda 100% com o resultado? Wow, então esqueça tudo, já não está mais aqui quem teceu esta longa ladainha. Fui.



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