Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Cenas do Inverno Japonês

4 de fevereiro de 2011
Por: Paulo Yokota | Seção: Notícias | Tags: , , , ,

Enquanto no hemisfério sul – da América do Sul à Oceania – chuvas intensas afligem cidades, rios, montanhas e populações, trazendo temporais, índices pluviométricos recordes ou ciclones, o hemisfério norte sofre igualmente, afundado em neve. Frio e precipitação de neve atingem recordes nunca vistos, de Chicago-EUA a Niigata-Japão e do Golfo de Bohai-China a Pyongyang- Coreia do Norte.

Na região noroeste de Honshu, que Yasunari Kawabata chamou Yukiguni, País das Neves, províncias como Fukui, Nagano, Niigata, estão pedindo ajuda a tropas da Força de Defesa Nacional: cidades estão enterradas sob neve de dois metros ou mais, há ameaça de avalanches, e colapso de eletricidade e abastecimento. Estradas e linhas bloqueadas obrigam viajantes a pernoitarem dentro de trens paralisados. Idosos que moram só sofrem muito: permanecem sitiados dentro de casa incapazes de remover neve que se acumula nos telhados e enterram portas e janelas.

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Frio e precipitação de neve recorde trazem inconvenientes e perigo, mas a natureza congelada oferece também espetáculos de fenômenos inusitados que nesta época do ano só são vistas em situação contínua de muito frio e neve. Por exemplo, os pingentes de gelo, icicles (sincelos, em Portugal): quando raio de sol ou calor do interior da casa aquece neve acumulada no telhado, e a temperatura exterior se mantém a -1ºC / -2ºC, os pingos de água vão se congelando à medida que escorrem, formando belíssimas “estalactites” de cristal de gelo que pendem dos beirais, ou dos galhos de árvores. Banquisas (ryuhyô, ice flowers) são atrações nas costas de Abashiri, Hokkaido, no Oceano Pacífico (ou no Golfo de Bohai, China): são placas de gelo que se formam na superfície da água do mar, a -2º C, trazidas pela corrente do Mar de Okhotsk, ao norte de Hokkaido. Barcos vão quebrando as placas, com turistas vestidos feito esquimós apreciando o espetáculo de gelo flutuante – que neste inverno chegou mais cedo e mais espesso. Mais ao norte, como em Yamagata, quando a temperatura atinge

-7º C ou além, podem se formar desenhos de cristais de gelo na parte externa das vidraças de janelas, durante a madrugada. São as flores de geada, shimo-no-hana, que se derretem ao primeiro raio de sol. Espetáculo efêmero atrai turistas confinados em hotéis e pousadas de estações de esqui, impedidos de esquiar por causa de tempestades de neve ou perigo de avalanches. A formação das flores de geada obedece às mesmas condições que provocam o fenômeno do juhyô (árvores cobertas de neve cristalizada) do Monte Zaô: vento gelado soprando da Sibéria, carregado da umidade do Mar do Japão, cristaliza a neve de regiões montanhosas do Japão central quando encontra vento seco e frio do Oceano Pacífico, sob condições atmosféricas especiais.

Japoneses praticam o yukimi, contemplação da neve, apreciado pela nobreza da corte de Heian, Kyoto (794-1185): as casas tinham salas de chá com yukimi shoji, portas de correr com inserções de vitrais que deixavam ver o jardim-pátio com pedras e pinheiros cobertos pela neve que caía silenciosamente – paisagem que se curtia saboreando chá e doces, compondo poemas. Na mansão construída pelo nobre Nariyasu Maeda para sua mãe, já em 1863, com um refinado salão de chá, no Jardim Kenroku-en, Kanazawa, e aberto ao público em ocasiões especiais, pode-se ver yukimi shoji com inserções de vitrais holandeses. Na profunda brancura deste inverno, japoneses aproveitam para curtir fenômenos só proporcionados por temperaturas muito baixas aliadas a neve recorde. Mas convidar para um yukimi, definitivamente, talvez seja programa meio índio por estes dias.



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