Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Ainda o Tema do Envelhecer, com Rubem Alves

8 de novembro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, webtown | Tags: , ,

Quando o escritor Rubem Alves resolveu parar de escrever no caderno Cotidiano do jornal Folha de S. Paulo, causou comoção, leitores protestaram, lamentaram. Citando Cecília Meirelles, o poeta-educador diz que sua alma é movida por ausências, “uma certa ausência do mundo”, que, segundo ele, é doença que ataca velhos e poetas. Recorrendo às “estrelas”, de Fernando Pessoa, Rubem Alves se diz cansado, aos 78 anos: “cansaço de todas as coisas, cansaço da obrigação de brilhar”, isto é, “da obrigação de escrever quando não se tem mais novidades para escrever”.

Lembra-me palestra do poeta após a sessão do filme “Morte em Veneza”, de 1971, baseado em livro de Thomas Mann. No Espaço – Unibanco/Augusta, São Paulo, em noite de chuva torrencial, lotação esgotada horas antes, cinéfilos chorosos conseguiram entrar após súplicas e ameaças; gente de pé pelos corredores, sentados nos degraus centrais. O belíssimo filme de Luchino Visconti, tantas vezes visto e revisto, ganhou novas e sutís revelações sob o olhar de Rubem Alves.

rubem-alves

À saída, a chuva já amainara, a noite ia alta e fria. No estacionamento, buscando nossos carros, cada qual com seu “motorista”, o poeta comentaria que já preferia passar noites altas no conforto do seu lar, a enfrentar trânsito ruim em noite chuvosa, desde a cidade de Campinas, onde residia. Para essas “baladas” já havia que contar com seu motorista particular, coisas da velhice. Argumentei que isso era uma das coisas boas do envelhecer: aquelas coisas fofas de quem cuidáramos com tanto carinho, trocando fraldas e dando mamadeiras, que nos deixaram insones muitas madrugadas, até mesmo pós-adolescência quando saíam para suas baladas, hoje se tornaram nossos anjos de guarda, protetores, nos conduzindo em nossos compromissos pela noite. Despedimo-nos cordialmente, cada qual com seu filho-motorista ao volante, eu com a cálida lembrança de uma palestra que muito acrescentou. Pois envelhecer não é isso, ir passando o bastão e as responsabilidades às gerações seguintes?

Nesta semana, no mesmo jornal, mas em outro caderno, Marina Silva – a poetisa-senadora que não precisa apregoar origem elitista nem quatrocentona, mas sim genuína e brasileira, de ideais e discurso fiéis e sinceros sem falsidades nem bajulices – presta bela homenagem ao cronista-educador, em forma de poema: “… antes da noção do certo se revelar um engano, saio do cotidiano: adentro em outras rotinas, noutros mares vou pescar…”

Pois é exatamente isso. Na crônica da despedida, Rubem Alves diz que vai parar de escrever, “porque estou velho, estou cansado, minha alma anda pelos caminhos de Robert Frost, quero me livrar dos malditos deveres que me dão ordens desde que me conheço por gente.” Meu querido Rubem, se nos demorarmos nos últimos versos de Frost, embora em tudo o poema citado simbolize o fim e a morte – dezembro, fim do dia, silêncio, bosques e árvores cobertos pela branca neve – ainda assim, o que fica é o compromisso com a vida:

The woods are lovely, dark and deep, but I have promises to keep, and miles to go before I sleep…” (embora o bosque seja muito convidativo para que eu pare e estacione, inda tenho milhas para ir antes de adormecer).

Acho que Rubem Alves ainda vai nos brindar com muitos pensamentos e ensinamentos antes de realmente pendurar a caneta (ou as digitações) – antes que a noite caia espessa. E se não encontrarmos livros seus nas livrarias Laselva de aeroportos, com certeza muitos deles permanecerão nas prateleiras de nossas estantes – nos iluminando com suas sábias e singelas palavras.



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