Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

O Universo Infantil em Hirokazu Kore-eda

21 de maio de 2012
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, Livros e Filmes, webtown | Tags: , , ,

Considerado por alguns como herdeiro cinematográfico de Yasujiro Ozu, o diretor Hirokazu Kore-eda igualmente preza temas sociais que envolvem laços de família e relações humanas complexas. Seu mais recente filme, Kiseki – O que eu mais desejo, 2011, que acaba de estrear em São Paulo, fala de adoráveis crianças, focalizando o universo infantil numa releitura ao mesmo tempo muito similar e bem diversa da concebida por Ozu, por exemplo, em Ohayoh (Bom dia), 1959.

Como Ozu, Kore-eda é fã de trens e ferrovias, mas não mais os lentos e românticos trens que iam e vinham carregando sonhos, esperanças e saudades. Kore-eda quis documentar a chegada dos trens balas Tsubame e Sakura que iriam ligar as cidades na Ilha de Kyushu de Fukuoka (ao norte) e Kagoshima (ao sul). Para isso, usou a história de dois irmãos vivendo separados, naquelas cidades, após o divórcio dos pais. O anseio do irmão mais velho é ver a família reunida de novo. Ao ouvir sobre lenda de que desejos se realizariam se pedidos fossem feitos na interseção de dois trens-balas, vindos de direções opostas, o garoto Koichi resolve levar avante plano de se encontrar com o irmão mais novo, Ryu, no meio caminho onde os trens passariam pelo outro em grande velocidade. Cada qual recebe adesão de colegas de classe, todos eles trazendo desejos ancorados em anseios que abrandariam problemas em suas tenras vidas: sagrar-se astro de baseball seguindo os rastros do ídolo Ichiro Suzuki, do Seattle Mariners; virar celebridade cintilante do show biz como as estrelas do Arashi ou AKB 48; tornar-se designer ou maratonista de ponta etc.

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Cenas do filme O que eu mais desejo,

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Vulcão Sakurajima /  Kyushu Shinkansen, tsubame-sakura

O desejo – pedido de Koichi para realizar o milagre de reunir a sua família, porém, é algo terrível. Após a separação, seu pai foi morar próximo a Fukuoka levando Ryu, e Koichi foi com a mãe residir com os avós maternos em Kagoshima. Ali, além da saudade do irmão e do pai, ele tem que conviver com a visão ameaçadora do vulcão Sakurajima, um dos mais ativos do Japão, constantemente em erupção. A cidade fica a apenas 8 quilômetros do pico do vulcão. (Na vida real, em 26 de janeiro de 2011, o Sakurajima entrou em violenta erupção, obrigando moradores mais próximos a se refugiarem em abrigos. Plantações, como as de chá, ao sul de Kyushu, foram danificadas. A filmagem em locação ainda estaria em pleno andamento na região, por essa época). Koichi se perguntava como podia uma cidade inteira viver por séculos aos pés de um vulcão ativo, sofrendo severos danos e perdas de tempos em tempos conforme relatava seu avô.

Os dois grupos de crianças organizam secretamente a viagem e o encontro, numa jornada cheia de truques e peripécias, cujo intento, na verdade, só é realizável com a cumplicidade conivente de adultos protetores que os rodeiam: avós, mães, professores, desconhecidos, até do temido omawari-san, guarda-civil, vigilante e onipresente na vida de crianças gazeteiras ou fujonas. De trem e depois de carona e a pé, o grupo passa por paisagens nada amenas, entrecortadas pelos altos elevados dos trilhos do trem-bala e a rudeza do Japão rural industrializado – mas descobrem lúdicas e poéticas belezas pelo caminho. Laços se forjam enquanto cada um vai superando seus anseios egoístas e começa a priorizar os dos coleguinhas. O milagre (kiseki, do título em japonês), estaria no amadurecimento dos garotos e no reencontro e fortalecimento de laços. Milagre da força de laços humanitários, marcas de Kore-eda, que ele, sem querer, parece ter mais do que antevisto então.

A cerimônia de inauguração da Kyushu Shinkansen – nova linha principal (de trem bala) de Kyushu – prevista para 12 de março de 2011, foi cancelada, mas a linha começou a operar pontualmente em 13 de março. As fortes erupções de Sakurajima ainda continuavam a ocorrer por essa época, mas deixariam de ser notícia relevante na mídia nos mais graves longos dias e meses que se seguiram no país. “Kiseki” estreou no Japão em junho de 2011.



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