Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

“Guerra de Gueixas” de Nagai Kafu

27 de maio de 2016
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais e Notícias | Tags: , ,

clip_image002A Editora Estação Liberdade vem publicando uma série de livros japoneses traduzidos para o português, que valem a pena serem lidos, para se conhecer um pouco mais sobre a cultura do Japão. Este, particularmente, é muito interessante e de fácil leitura.

Capa da versão brasileira atual da obra de Nagai Kafu, Udekurabe (comparação de capacidades), 1918

Com uma competente tradução de Andrei Cunha, que inclui muitas notas de rodapé explicando aspectos importantes da cultura japonesa, a Editora Estação Liberdade lançou neste ano a versão brasileira da obra de Nagai Kafu. Ele trabalhou também nos Estados Unidos e na França, absorvendo aspectos que não eram usuais no Japão no começo do século XX. Entendo que este conhecimento internacional ajuda muito, comparando com autores que só conhecem a cultura japonesa.

Seria interessante explicar que existem gueixas e “gueixas”, cujo papel vem mudando ao longo do tempo, também condicionado à evolução econômica e cultural do Japão. O romance refere-se a um período do início do século XX, quando a economia japonesa não estava ainda com o nível do desenvolvimento econômico atual, tanto que muitos japoneses eram obrigados a emigrarem para os Estados Unidos, a Manchúria e para a América do Sul, com destaque para o Brasil nesta região.

Era ainda a segunda parte da Era Meiji, quando das vitórias conquistadas na Guerra da Rússia, os japoneses ocupavam a China e a Coreia com pretensões de se tornar algo como o Reino Unido notadamente na Ásia, se não uma metrópole mundial, no mínimo regional. Mas ainda eram pobres e tinham ficado quase isolados do resto do mundo por alguns séculos.

Também no Japão, muitos homens com posses mantinham amantes até com o conhecimento das suas esposas. Alguns recebiam estímulos das mesmas, pois assim eram considerados bem-sucedidos na sociedade local. Não se devem comparar as gueixas com prostitutas, pois elas vieram se aperfeiçoando, conquistando um status pelos seus conhecimentos culturais como de danças e comportamentos humanos.

Quando vivi no Japão, ainda no final da década dos oitenta do século passado, algumas gueixas conviviam até com a minha família e chegamos a frequentar suas casas de veraneio, sem nenhum constrangimento. É claro que a formação e sustentação de uma verdadeira gueixa são muito custosas, pois algumas dispunham de mais de uma dezena de quimonos. Cada um chegava a custar mais de US$ 10 mil, além de outros expressivas despesas, havendo executivos e políticos que as sustentavam com o conhecimento discreto de muitas pessoas.

Seria melhor qualificá-las como cortesãs, especializadas no conhecimento das pessoas e o que as agradam. Era usual quando do início de um relacionamento comercial ou político, sem que se conhecessem mais profundamente algumas pessoas, jantar com elas num ryotei (restaurante fino, na companhia de gueixas de verdade), jogando uma série de conversas inocentes fora. Depois, obtinham-se as impressões de uma gueixa competente, que recomendava que fossem dignos de confiança ou exigiam algumas cautelas nos relacionamentos com eles. Um simples jantar nestes lugares era muito custoso, e sustentar uma gueixa era coisa de milionários ou altos executivos de grandes empresas ou bancos. Minha possibilidade de frequentar estes ambientes decorria do status que tinha adquirido como uma autoridade brasileira, que propiciava muitos convites de interessados sobre o Brasil, décadas depois dos acontecimentos narrados neste romance.

No período relacionado com esta obra, utilizavam-se as chamadas casas de chá para os encontros. No entanto, mais recentemente eram mais frequentes estes ryoteis, mais sofisticados onde grandes negociações eram efetuadas por políticos e empresários, frequentadores assíduos destes estabelecimentos.

O que veio se multiplicando são bares onde muitas acompanhantes acabam servindo os frequentadores, que também não podem ser confundidas com gueixas ou prostitutas, ainda que muitas delas contem com clientes habituais. Muitas proprietárias destes bares foram gueixas e acabaram contando com patrocínios para manter seus próprios negócios de forma independente.

O que sei da região de Shimbashi e arredores mostra que o autor era um profundo conhecedor da área, bem como de outros ambientes de Tóquio, como a cidade baixa de Asakura, notadamente a sua vida noturna. Muitas gueixas importantes se originaram em Shimbashi e foram migrando para outras regiões como Akasaka, que eram utilizadas pelos empresários e políticos, mais recentemente. O romance envolve o teatro japonês, onde o kabuki sempre teve importância, com o principal teatro próximo da região de Ginza, hoje totalmente remodelado, preservando o que era relevante.

Os personagens deste mundo foram bem retratados no livro, tanto os bons como os marginais, permitindo conhecer também a importância dos banhos públicos no Japão. Os mecanismos de divulgação das fofocas eram importantes, pois as principais gueixas são até hoje todas conhecidas dos especialistas em vida noturna.

Portanto, o romance permite conhecer parte da vida noturna do Japão do início do século XX, não permitindo ser transposto para os dias de hoje, principalmente para os estrangeiros que só conhecem eventualmente a cultura japonesa.



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