Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Bloomberg Sobre a Tragédia Ghosn – Nissan

4 de fevereiro de 2019
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia e Política, Editoriais e Notícias | Tags: , , , , | 22 Comentários »

Uma equipe de jornalistas composta por Matthew Campbell, Kae Inoue, Jie Ma e Ania Nussbaum, auxiliada por Ruth David e David Welch publicou no site da Bloomberg um artigo de cerca de 20 páginas sobre o affair Carlos Ghosn e a Nissan, com muitos detalhes, alguns desconhecidos. Ele apresenta questões que provocam certos suspenses que clip_image002poderiam fazer parte de um breve documentário. A história ainda pode durar alguns meses para se chegar a um final. Se condenado, Ghosn poderá ainda ficar preso por alguns anos. Sua leitura integral seria recomendável e Carlos Ghosn concede uma rápida entrevista a Nikkei Asian Review.

Desenho de Carlos Ghosn quando esteve presente perante os seus investigadores japoneses recentemente

Carlos Ghosn está preso preventivamente desde 19 de novembro quando desembarcou no aeroporto de Haneda, nos arredores de Tóquio. Ele chegou ao luxuoso Gulfstrean G650 da Nissan que costumava usar para as suas frequentes viagens internacionais. Ele ficou surpreso com o que lhe aguardava naquele aeroporto. Não sabia da sua prisão preventiva nem do que estava sendo acusado, segundo sua alegação. E pelo andar da carruagem, deve ficar mais alguns meses até o fim do seu julgamento, quando corre o risco de ser condenado a uma pena de muitos anos pelos crimes que teria cometido, com base na legislação japonesa. Segundo seus auxiliares, os ganhos recentes quando efetivados após a aposentadoria estariam isentos de impostos japoneses e nem foram confirmados, pois são meras intenções que não são precisas.

Outros artifícios teriam sido empregados, inclusive num paraíso fiscal na Holanda, onde está sediada uma holding que administra a aliança composta pela Renault-Nissan-Mitsubishi Motors. Também uma empresa bastante misteriosa chamada Zi-A Capital, criada pelo seu auxiliar Greg Kelly e composta somente de pessoas que eram de confiança de Carlos Ghosn, efetuou algumas operações duvidosas em nome da Nissan, que não são muito usuais. Mesmo estes auxiliares, como o advogado malaio Hari Nada, agora estão posicionados contra Carlos Ghosn. As autoridades fiscais japonesas são extremamente rigorosas com aqueles que usam paraísos fiscais que, no mínimo, podem envolver operações discutíveis.

O artigo aponta Hiroto Saikawa, atual diretor executivo da Nissan, que estaria desempenhando um papel importante nos atuais eventos, como indicado e protegido por Carlos Ghosn no passado, evidenciado pelas diversas promoções até chegar a este cargo máximo na empresa. Ele é considerado um workholic que só pensa em trabalho, não chegando a ser simpático mesmo com seus auxiliares. O artigo informa que ele não estava a par de algumas investigações internas que envolviam possíveis irregularidades cometidas pela Nissan e Carlos Ghosn. Esta tarefa teria ganhado corpo com as investigações feitas pelo advogado malaio Hari Nada, que já trabalha na Nissan há cerca de 20 anos. Ele passou a ajudar Greg Kelly, advogado norte-americano, homem de confiança de Carlos Ghosn, em algumas tarefas que hoje estão usadas contra o brasileiro, também cidadão francês e libanês.

Contou-se com a participação de um administrador japonês de nome Toshiaki Onuma, que, juntamente com Hari Nada, tinha conhecimentos da Zi-A, e acabou acumulando informações para um possível acordo de leniência com as autoridades japonesas, para a redução de suas eventuais penas.

Nada, Onuma e um auditor da Nissan de nome Hidetoshi Imazu elaboraram um relatório formal sobre as irregularidades para Hiroto Saikawa, hoje o principal executivo da Nissan, que até aquele momento não conhecia a investigação que estava sendo feita, segundo o artigo da Bloomberg. Ele teria ficado chocado com a extensão do problema, o que acabou provocando uma forte afirmação de espanto dele que chegou ao conhecimento de Carlos Ghosn, que já estava disposto a demiti-lo mais recentemente.

Numa recente entrevista de 20 minutos concedida por Carlos Ghosn aos jornalistas Atsushi Nakayama, Akiro Tanaka e Yasuke Kurabe, do jornal japonês Nikkei Asian Review, devidamente autorizada pelos promotores, ele afirma que foi traído por estes funcionários da Nissan, que participam de uma conspiração. Eles não concordavam com o aprofundamento do controle da montadora japonesa pela Renault francesa sobre a aliança, e que as operações de que é acusado Carlos Ghosn contam com as necessárias aprovações dos dirigentes japoneses da Nissan e que havia uma “reserva do CEO” que poderia ser utilizado por ele para qualquer operação. Além de uma evidente falha no sistema da governança da Nissan, as colocações de Carlos Ghosn aparentam uma sua defesa diante de muitas dificuldades pelas quais está sendo responsabilizado, pois algumas delas deveriam ter sido corrigidas por ele na sua longa administração naquela montadora japonesa. Envolvem ressarcimentos de diferenças de câmbio, operações com grupos árabes que prestariam serviços estratégicos nas expansões comerciais da Nissan, contratação de parentes para não fazerem nada, além de outras formas de utilização de possíveis remunerações para pagamentos após a aposentadoria, com aquisições exageradas de imóveis por todo o mundo para seu uso pessoal, inclusive em Beirute e no Rio de Janeiro.

O pagamento depois da aposentadoria de Carlos Ghosn estava estimado em US$ 80 milhões, podendo ser utilizado para diversos motivos, como honorários e consultoria. A Zi-A adquiriu inúmeros imóveis que seria utilizado por Carlos Ghosn em suas atividades internacionais, que somente em Tóquio seriam três habitações para sua atuação segura.

Carlos Ghosn alega que ele não é um advogado e que tudo foi feito pelos seus auxiliares de então. Ele alega que não foi informado das investigações internas que estavam sendo efetuadas. Informa que se encontra bem de saúde, mesmo estando na prisão. Sua posição é de que houve uma conspiração de seus antigos auxiliares sobre o seu projeto de consolidar a aliança e o atual responsável pela Nissan era até contrário à presença do representante da Mitsubishi Motors nos entendimentos. Ele se posiciona a favor de sua liberdade mediante fiança, alegando que não deixará Tóquio onde pretende continuar a se defender.

Nossa posição atual é que Carlos Ghosn, ainda que considerado como um eficiente empresário internacional que absorveu muito bem a cultura empresarial japonesa, apesar de sua elevada capacidade, não se deu conta da cultura japonesa de forma mais ampla, envolvendo a jurídica, não conseguindo criar as condições para se adequar a ela, até com o uso de um paraíso fiscal. Mesmo compreendendo que o Japão necessita aperfeiçoar para se aproximar mais do que é usado principalmente no Ocidente.

Mas Carlos Ghosn também enfrenta problemas na França com a Renault, que, sendo uma estatal, não segue, por exemplo, os padrões de remuneração dos executivos internacionais, que são mais elevados. No Japão, são bem mais modestos, pois os trabalhos importantes são considerados coletivos, mesmo que algumas lideranças sejam respeitadas.

Os mitos como Carlos Ghosn acabam fora da dura realidade, pois se imaginava que ele era detalhista sobre o que acontecia até no chão das fábricas. Com viagens constantes pelo mundo, acabou ficando até desatualizado do que acontecia dentro da própria Nissan e suas subsidiárias. Com base nas investigações internas os procuradores japoneses acabaram recebendo muitos indícios de abusos que continuam sendo investigados.

As autoridades japonesas conseguiram sincronizar as visitas de Carlos Ghosn e de Greg Kelly a Tóquio para prendê-los simultaneamente, ainda que de forma temporária, que pode ser longa. Greg Kelly, com problemas de saúde na coluna vertebral, solicitou liberdade mediante fiança, comprometendo-se a não dificultar o prosseguimento das investigações, evitando a destruição das possíveis provas.

Não parece que Carlos Ghosn, com sua atitude arrogante, consiga a liberdade controlada com o pagamento de fiança. Na cultura japonesa, quando existem fortes indícios de irregularidade, os executivos costumam pedir desculpas públicas, baixando suas cabeças ostensivamente pelos inconvenientes que estão causando a todos, inclusive acionistas que possuem poucas ações no mercado de capitais. No exterior, informa-se que os que estão sendo prejudicados pelo caso Nissan estão se organizando judicialmente para evitar a falta de informações completas sobre a situação das empresas.

Tudo indica que este lamentável processo ainda poderá perdurar por um bom período, mesmo com a demissão de Carlos Ghosn, inclusive da Renault francesa. O sonho da formação de um grande grupo automobilístico com novas tecnologias, como dos veículos elétricos, com condições de competir com a Toyota e a Volkswagen, parece cada vez mais difícil.


22 Comentários para “Bloomberg Sobre a Tragédia Ghosn – Nissan”

  1. Carlos Silva
    1  escreveu às 21:35 em 4 de fevereiro de 2019:

    Como de costume, mais um excelente artigo de autoria do prof. Dr. Yokota.

  2. Paulo Yokota
    2  escreveu às 12:40 em 6 de fevereiro de 2019:

    Caro Carlos Silva,

    Muitíssimo obrigado pelo seu comentário.

    Paulo Yokota

  3. Juliana Gomes
    3  escreveu às 22:12 em 4 de fevereiro de 2019:

    A minha posição: não houve golpe da Nissan. Tudo é consequência dos crimes cometidos pelo franco-líbano-brasileiro Carlos Ghosn.

  4. Paulo Yokota
    4  escreveu às 12:39 em 6 de fevereiro de 2019:

    Cara Juliana Gomes,

    Obrigado pelo seu comentário.

    Paulo Yokota

  5. Vilma Santos
    5  escreveu às 22:22 em 4 de fevereiro de 2019:

    O Carlos Ghosn é mais um brasileiro que envergonha o nosso país no exterior. Como se não bastassem João Havelange, Lula, Dilma etc.

  6. Paulo Yokota
    6  escreveu às 12:38 em 6 de fevereiro de 2019:

    Cara Vilma Santos,

    Mas existem muitos brasileiros que estão desenvolvendo trabalhos positivos da melhor qualidade.

    Paulo Yokota

  7. Reinaldo Gonçalves
    7  escreveu às 22:40 em 4 de fevereiro de 2019:

    Caro Paulo:

    Confesso ao senhor que ando me decepcionando muito com certos brasileiros. Votei no Lula e, hoje, ele está na cadeia condenado por corrupção. Admirava o rondoniense Carlos Ghosn, mas, atualmente, o ex-executivo da Nissan encontra-se no Centro de Detenção de Tóquio.
    Ghosn é acusado de “tokubetsu haininzai” e má conduta financeira.
    Que tristeza!

  8. Paulo Yokota
    8  escreveu às 12:37 em 6 de fevereiro de 2019:

    Caro Reinaldo Gonçalves,

    Mas, também existem muitos brasileiros que estão prestando serviços da melhor qualidade.

    Paulo Yokota

  9. Isaías Machado
    9  escreveu às 06:56 em 5 de fevereiro de 2019:

    Prezado Paulo:

    Consultei a imprensa japonesa (Japan Today, The Japan Times, Asahi Shimbun, Mainichi Shimbun, Nippon Hoso Kyokai, Nikkei Asian Review etc.) para, digamos, “beber da fonte” sobre os problemas do nosso Carlos Ghosn. Felizmente, os citados sites têm versões em inglês.
    A minha conclusão é a de que o brasileiro está numa situação muito, muito delicada. É o fim da carreira que poderia terminar de forma brilhante, mas, lamentavelmente, Ghosn passará os derradeiros anos de sua vida num presídio do Japão.
    O Carlos Ghosn trabalhou tanto tempo na Terra do Sol Nascente, mas não aprendeu nada sobre o Bushido, ou seja, o código de conduta e modo de vida para os samurais. Infelizmente.

  10. Paulo Yokota
    10  escreveu às 12:35 em 6 de fevereiro de 2019:

    Caro Isaías Machado,

    Muitíssimo obrigado pelas suas considerações.

    Paulo Yokota

  11. Gisele T. Oliveira
    11  escreveu às 12:22 em 5 de fevereiro de 2019:

    A vida do Carlos Ghosn é, atualmente, um pesadelo. Mas ele cavou a própria cova, ao desviar ou abusar do patrimônio da Nissan para fins pessoais.

  12. Paulo Yokota
    12  escreveu às 12:33 em 6 de fevereiro de 2019:

    Cara Gisele T.Oliveira,

    Obrigado pelo seu comentário.

    Paulo Yokota

  13. Celeste Araújo
    13  escreveu às 17:50 em 5 de fevereiro de 2019:

    Pelo que li do texto do Dr. Yokota, com certeza, o Carlos Ghosn é o famoso autor do “crime do colarinho branco”. Que bom que o Japão não é frouxo e mantém o ex-executivo brasileiro preso, apesar da fama do detento.

  14. Paulo Yokota
    14  escreveu às 12:32 em 6 de fevereiro de 2019:

    Cara Celeste Araújo,

    Obrigado pelo seu comentário.

    Paulo Yokota

  15. Luiza Barcellos
    15  escreveu às 22:55 em 5 de fevereiro de 2019:

    Prezado Paulo:

    O Estado japonês é SOBERANO e, assim, jamais deve permitir que qualquer país estrangeiro venha a interferir em seu Poder Judiciário.

    Causa-me preocupação quando o presidente francês Emmanuel Macron disse:

    “O que posso dizer é que achei a detenção muito longa e dura demais, e eu disse isso a Abe”

    Ou quando uma autoridade libanese fala o seguinte:

    “O Estado libanês está agindo apenas porque suspeita da maneira como Ghosn foi preso e tratado como se fosse um perigoso terrorista ou um criminoso de guerra”.

    Em:

    Líbano manda colchão a Carlos Ghosn e questiona a ‘humilhação’:

    http://www.portalmie.com/atualidade/mundo/noticias-do-mundo/2018/12/libano-manda-colchao-a-carlos-ghosn-e-questiona-a-humilhacao/

  16. Paulo Yokota
    16  escreveu às 12:31 em 6 de fevereiro de 2019:

    Cara Luiza Barcellos,

    Obrigado pelo seu comentário.

    Paulo YokotaL

  17. Francisco Cunha
    17  escreveu às 06:47 em 6 de fevereiro de 2019:

    Caso seja condenado pela Justiça japonesa, o MITO da indústria de automóveis passará a ser um MICO. O Carlos Ghosn colherá o que plantou com a sua GANÂNCIA.

  18. Paulo Yokota
    18  escreveu às 12:29 em 6 de fevereiro de 2019:

    Caro Francisco Cunha,

    Obrigado pelo seu comentário.

    Paulo Yokota

  19. Eduardo Valverde
    19  escreveu às 17:01 em 6 de fevereiro de 2019:

    Um dos melhores artigos que li sobre o escândalo envolvendo o Carlos Ghosn.

  20. Paulo Yokota
    20  escreveu às 12:38 em 7 de fevereiro de 2019:

    Caro Eduardo Valverde,

    Obrigado pelo comentário.

    Paulo Yokota

  21. Rodolfo Lima
    21  escreveu às 07:11 em 7 de fevereiro de 2019:

    Yokota, que ninguém diga que é “apenas” perseguição dos japoneses! Leia:

    Mais uma suspeita: Carlos Ghosn teria usado influência da Renault para seu casamento

    http://www.portalmie.com/atualidade/mundo/noticias-do-mundo/2019/02/mais-uma-suspeita-carlos-ghosn-teria-usado-influencia-da-renault-para-seu-casamento/

    Les doutes de Renault sur le mariage de Carlos Ghosn au château de Versailles:

    http://www.lefigaro.fr/societes/2019/02/06/20005-20190206ARTFIG00326-les-doutes-de-renault-sur-le-mariage-de-carlos-ghosn-au-chateau-de-versailles.php

  22. Paulo Yokota
    22  escreveu às 12:37 em 7 de fevereiro de 2019:

    Caro Rodolfo Lima,

    É, parece que Carlos Ghosn acabou exagerando.

    Paulo Yokota


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