Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Fruta Mais Consumida no Mundo Corre Riscos

5 de julho de 2020
Por: Paulo Yokota | Seção: Editoriais e Notícias, Gastronomia | Tags: , , ,

Um artigo longo elaborado por Louise Gray, originalmente publicado no BBC, foi republicado em português no site da UOL, alertando sobre o risco de uma doença que está se espalhando de forma silenciosa pelo mundo, afetando a produção da banana, inclusive no Brasil. Ela é hoje a fruta mais consumida no mundo e uma variedade conhecida como Gros Michel ou “ Big Mike” predomina, produzindo frutos grandes e saborosos, podendo ser colhidos ainda verde de suas plantas, facilitando o seu transporte por grandes distâncias, enquanto vão amadurecendo.

clip_image002O problema começou na Ásia e a doença Tropical Race 4, também conhecida como mal do Panamá, que é causada por um fungo, que vem destruindo as fazendas de banana nos últimos 30 anos. Recentemente, ela vem espalhando-se pelo mundo de forma acelerada, inclusive no Brasil, além de 20 outros países.

Banana Big Make, mais consumina no mundo, por ser grande, saborosa e resistente,é alvo atual da praga mal do Panamá

Segundo Fernando Garcia-Bastidas, um tradicional pesquisador sobre a saúde vegetal que estudou o assunto na Universidade de Wageningen, na Holanda, não é a primeira vez que a banana sofre o mal de Panamá. Na década de 1950, a sua produção foi dizimada pela primeira vez, começando na Ásia e chegando à América Central, sendo uma das piores epidemias botânicas da história. O sistema de produção de bananas se baseou fragilmente na diversidade genética limitada de uma variedade, tornando-as mais suscetíveis a doenças, segundo García-Bastidas. Mas a lição não foi devidamente aprendida e o mal está se repetindo com maior intensidade novamente.

Foi iniciada, então, a busca por uma variedade para substituir a Gros Michel que poderia ser resistente ao mal do Panamá. Na década de 1960, uma espécie, a Cavendish, chamada no Brasil de banana nanica, mostrava sinais de resistência que poderia salvar a indústria da banana. William Cavendish, por ele ter cultivado a planta em sua estufa em sua residência oficial, a banana também poderia ser transportada verde – embora tivesse um sabor mais suave do que a Gros Michel.

Dentro de algumas décadas, ela tornou-se a nova referência para a indústria da banana no mundo e continua sendo até hoje. Mas para os cientistas que observavam com nervosismo as vastas plantações em expansão, era apenas uma questão de tempo até que houvesse outro surto. Na década de 1990, uma nova cepa do mal do Panamá, conhecida como TR4, surgiu novamente na Ásia, que era letal para as bananas Cavendish. Desta vez, com uma economia globalizada em que pesquisadores, agricultores e outros visitantes das plantações de banana circulam livremente pelo mundo, ela se espalhou ainda mais rapidamente. "As bananas estão inegavelmente entre as frutas mais importantes do mundo e são alimentos básicos importantes para milhões de pessoas", diz ele. Uma planta doente ficará saudável por até um ano antes de mostrar os sintomas da doença: manchas amarelas e folhas murchas. Em outras palavras, quando a TR4 é identificada já é tarde demais e ela terá se espalhado por esporos no solo, em botas, plantas, máquinas ou animais.

Como todos os outros países com TR4, a Colômbia está agora tentando retardar o surto enquanto o mundo observa com ansiedade os sinais da doença no restante da América Latina e no Caribe. Como não há cura, tudo o que pode ser feito é colocar as fazendas infectadas em quarentena e aplicar medidas de biossegurança, como desinfetar botas e impedir o movimento de plantas entre fazendas. Na Austrália, cientistas desenvolveram uma banana Cavendish geneticamente modificada (GM), que é resistente ao TR4. A fundação Bill e Melinda Gates também está financiando pesquisas na área. No entanto, apesar das fortes evidências científicas de que os alimentos geneticamente modificados são seguros, é improvável que a banana esteja na prateleira de um supermercado perto de você enquanto os órgãos reguladores e o público permanecerem desconfiados. Para García-Bastidas, que agora trabalha na empresa de pesquisa KeyGene, em colaboração com a Universidade de Wagegingen, na Holanda, a banana transgênica é uma "solução fácil" que pode resolver o dilema da indústria por cinco a dez anos, mas não solucioná-lo por completo.

Ao fim, diz ele, o maior obstáculo é ter uma indústria inteira baseada em uma única variedade clonada de outras plantas. Os testes estão sendo desenvolvidos apenas para rastrear o TR4, já que as bananas têm sofrido para receber menos recursos com pesquisa do que outras culturas básicas. Em vez disso, García-Bastidas quer introduzir mais diversidade na cultura da banana, para que ela seja mais resistente a surtos de doenças como o TR4. Ele ressalta que existem centenas de bananas com potencial para cultivo em todo o mundo.

Já em países como Índia, Indonésia e Filipinas, as pessoas comem dezenas de variedades diferentes de bananas, com sabores, cheiros e tamanhos diferentes. Mas elas são difíceis de cultivar e exportar na escala da Cavendish, que foi criada para suportar o transporte através dos oceanos. Em seu laboratório na Holanda, García-Bastidas e seus colegas estão usando as mais recentes técnicas de sequenciamento de DNA para identificar genes resistentes ao TR4 e produzir bananas que podem suportar a doença e ser comercialmente viáveis.

A melhor esperança é que uma banana resistente à exportação surja nos próximos cinco a 10 anos. Depois de enfrentar não uma, mas duas pandemias no século passado, dessa vez a indústria da banana terá que buscar mais do que apenas introduzir outro clone no mercado. Dan Bebber, professor associado de ecologia da Universidade de Exeter, no Reino Unido, passou os últimos três anos estudando os desafios ao sistema para manter o suprimento de bananas como parte de um projeto financiado pelo governo britânico, o BananEx.

Segundo ele, a melhor maneira para a indústria de banana sobreviver ao TR4 é mudar a forma como essa fruta é cultivada. No momento, as bananas Cavendish são cultivadas em uma vasta monocultura, o que significa que não apenas o TR4, mas todas as doenças se espalham rapidamente. Durante o período de crescimento, as bananas podem ser pulverizadas com fungicidas de 40 a 80 vezes. "Isso pode ter grandes impactos na microbiologia do solo", diz Bebber. "Para cuidar das bananas, é preciso cuidar do solo”. Bebber aponta para relatos das Filipinas em que as fazendas orgânicas se saíram melhor contra o TR4 porque a microbiologia no solo é capaz de combater a infecção. Ele diz que as fazendas de bananas devem procurar adicionar matéria orgânica e talvez implantar um sistema de rotação de culturas para aumentar a proteção e a fertilidade, usando micróbios e insetos em vez de produtos químicos como "defensivos agrícolas", além de deixar mais espaços livres no terreno para incentivar a vida selvagem.

Isso pode significar um aumento no preço das bananas, mas em longo prazo elas seriam mais sustentáveis. Segundo Bebber, as bananas são muito baratas hoje. Não apenas porque o custo ambiental de uma monocultura com produtos químicos pesados não foi levado em consideração, mas principalmente o custo social de empregar pessoas com salários muito baixos. A ONG Banana Link, que faz campanhas sobre o assunto, culpa os supermercados por forçar preços cada vez mais baixos, comprometendo o meio ambiente, a saúde dos trabalhadores e, por fim, a vitalidade da safra de banana. As bananas produzidas para o comércio popular garantem de alguma maneira que os agricultores recebam um preço justo por elas, mas Bebber diz que trabalhadores de todo o setor estão começando a exigir melhores salários.

Mais uma vez, ele diz que isso alimenta o TR4, já que eles precisam ser pagos de maneira justa para garantir que as fazendas sejam bem gerenciadas para a prevenção de doenças. "Durante anos, falhamos em levar em consideração o custo social e ambiental das bananas", diz ele. "É hora de começar a pagar um preço justo, não apenas pelos trabalhadores e pelo meio ambiente, mas pela saúde das próprias bananas."

Jackie Turner, uma cineasta americana que questiona como as bananas são cultivadas desde que trabalhou em uma plantação como estudante, concorda que a solução está na justiça e na diversidade. Em seu filme Bananageddon (uma combinação das palavras banana e armageddon), ela conversa com cientistas que tentam impedir a disseminação do TR4, especialistas em segurança alimentar que alertam sobre a escassez e trabalhadores nas plantações preocupados com seus meios de subsistência. Depois de viajar pelo mundo por dois anos para observar o impacto que o TR4 já está causando, Turner está convencida de que as bananas precisam ser cultivadas de uma maneira diferente, o que significa introduzir novas variedades. Ela diz que isso não só será melhor para o meio ambiente e para a proteção contra doenças, mas também para o consumidor.

Para tentar incentivar o público a apoiar pequenos agricultores que cultivam variedades diferentes, ela criou a The Banana List (A Lista das Bananas, em tradução livre). A compilação reúne as lojas que vendem diferentes variedades de bananas, para que consumidores possam experimentá-las e uma nova demanda surgir. Para Turner, a pandemia da banana pode ter resultados positivos se nos forçar a cultivar bananas de maneira mais ecológica e a comer uma variedade maior de frutas. "Talvez a gente coma menos bananas e pague mais por elas", admite. "Mas sabemos que serão bananas melhores."

Para os brasileiros, tão acostumados com a banana, esta questão parece simples, mas está se verificando que seus problemas são muito mais complexos para o mundo todo.



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