Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Ídolos em Correntes de Solidariedade

11 de abril de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , , , , , , , ,

O teatro da emissora NHK em Shibuya, Tóquio, tem sido palco de shows e concertos transmitidos ao vivo, dedicados a consolar desabrigados do nordeste do Japão. Com adesão carinhosa de cantores populares de diferentes ondas e idades, e de veteranos queridos como Hossokawa Takashi, Kitagima Saburo, Miyako Harumi, Sen Massao e Shujenzi Kiyoko. O repertório é de canções de eterno sucesso que o público canta de cor, e remetem a temas que cativam a todos: saudade, natureza, amores passados, terra natal…

Uma das músicas que mais fala ao coração de todos os japoneses nestes dias, sejam ou não oriundos do nordeste do país, é o grande sucesso lançado pelo cantor Sen Massao nos anos 70, Kitaguni no Haru (“Primavera da Região Norte”): fala da saudade de quem deixou o torrão natal, amigos, primeiro amor e pais para tentar vida em cidade grande. Sen Massao relatou que é natural de Rikuzen-Takata, província de Iwate – cuja parte junto ao litoral foi totalmente devastada pelo tsunami. A casa onde ele nasceu, em colina mais afastada, escapou por pouco. Sua idosa mãe, o irmão, e sobrinha escaparam ilesos, mas o cantor perdeu amigos de infância e colegas da escola. Ao cantar a conhecida Kitaguni no Haru com lágrimas nos olhos, o cantor foi acompanhado em coro pelos outros artistas no palco, e pela plateia. Ninguém conseguia conter o choro. Tampouco desabrigados que assistiam pela televisão, com certeza. Ou nipo-brasileiros veteranos que cantaram muito esta canção (e cantam ainda) pelos karaokês.

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Sen Massao, Placido Domingo, Zubin Mehta e Ryo Ishikawa: solidariedade

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Tempo de Florir e Tempo de Renascer

4 de abril de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , , , | 8 Comentários »

“Abril é o mais cruel dos meses,

Fazendo da terra morta florir lilases;

O inverno nos manteve aquecidos,

Cobrindo a terra com neve que tudo faz esquecer…”

(Terra Devastada, 1922 – T.S.Eliot, 1888-1965)

Nunca este poema do poeta anglo-americano nos tocou tão profundamente como nos dias atuais. Aos seus olhos, o ressurgir da primavera é tanto mais pungente quando da natureza deteriorada desabrocha o delicado perfume das primeiras flores. Talvez o poeta contemplasse paisagem dos sombrios dias da Primeira Grande Guerra – quando milhões perderam casas, entes queridos, e esperanças. Mas a imagem da ressurreição está presente nos delicados lilases contrastando com um mundo árido e fragmentado.

Um repórter da NHK, transmitindo notícias diretamente da devastada cidade litorânea de Kesen-numa, província de Miyagi, apontou a câmera para uma solitária cerejeira nua que teimava em permanecer de pé em meio aos escombros. Observando com atenção, porém, na ponta de galhos castigados apontavam alguns botões prestes a abrir. Pelo que cerejeira em flor significa para a cultura e a alma japonesas, o repórter mal conseguia disfarçar a emoção: “Mesmo na devastação, o sakura quer florescer a qualquer custo; aí está o verdadeiro espírito do Japão neste momento”. Não deu para não relembrar o pungente poema de Eliot.

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Usinas Nucleares: A Lição de Fukushima.

31 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , , ,

Por que instalam usinas nucleares à beira-mar? Por que em litoral propenso a tsunamis? São perguntas que a maioria leiga fez, quando problemas na usina Fukushima Daiichi começaram a apontar iminente desastre nuclear. Isto quando países, especialmente os em rápido crescimento econômico, se inclinavam a adotar a energia atômica para gerar eletricidade isenta de emissões de gás carbônico – responsáveis, segundo cientistas, pela mudança climática.

Em artigo no The Japan Times (“A Tale of Japan’s Morality” – 17 de março), Brahma Chellaney, escritor e professor de estudos estratégicos de Nova Delhi, elucida estas e outras dúvidas para leigos. Para começar, diz ele, muitas usinas nucleares são construídas ao longo de costas marítimas (e de rios) por que elas são intensamente dependentes de água para resfriamento. No entanto, desastres naturais (tempestades, furacões, tsunamis) estão se tornando comuns devido à mudança climática, que também causa a elevação do nível dos oceanos, tornando reatores à beira-mar ainda mais vulneráveis. Todos os geradores de energia, inclusive usinas movidas a carvão ou combustível fóssil, exigem grandes recursos de água, mas a energia nuclear demanda muito mais. Reatores como os de Fukushima, que usam água como principal resfriante, produzem a maior parte da energia nuclear mundial. A imensa quantidade de água local consumida para a operação se transforma em fluxos de água quente que são bombeadas de volta para os rios, lagos e mares.

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Usina de Chernobyl após o acidente nuclear

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Onigiri (Bolinho de Arroz) e Voluntários: Mobilização Anônima

28 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , , ,

“Onde estão as pessoas? E os voluntários de que o país tanto se orgulha?” – perguntava um repórter de importante emissora brasileira de TV, estacionado em Ôshu, província de Iwate, contemplando a devastação e o silêncio da região litorânea de Ôfunato: lá embaixo, vilarejos destruídos estavam vazios de gente, apenas o cenário apocalíptico. Era o 3º ou 4º dia após o tsunami, a terra tremia a toda hora, 3.0 a 6.0 Richter. Alarme e alerta permanente para novas possíveis ondas; que ninguém voltasse às cidades, não se aproximasse do litoral.

Onde estava o povo? Ora, nos seguros centros de evacuação ou nas centenas de abrigos improvisados, em lugares mais altos, onde as pessoas se refugiaram, guiadas por alto-falantes de alerta, pelas placas indicativas, ou por puro instinto. O relato de sobreviventes é atroz: as primeiras 48 horas foram pesadelo, fome e frio. Isolados, sem comunicação, só puderam contar com a ajuda de gente da região que tinham escapado da destruição. Ao longo de 500 quilômetros do litoral nordeste, desde Aomori até Fukushima, a comunicação ficou interrompida: telefones, celulares, TV, internet – tudo fora do ar. Pontes soçobravam, estradas ficaram inundadas ou destruídas na parte do litoral, e interrompidas por avalanches e deslizamentos na parte interna de Honshu (a principal ilha do Japão). Depois da falta de comida e remédios, o que mais afligia sobreviventes, feridos e doentes era a falta de notícias, sem saber o que acontecia no resto do país. Sem falar do frio inclemente.

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Jishuku: Autocomedimento e Circunspeção

26 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , ,

Nos dias que se seguiram ao 11 de março, o Japão foi tomado por sentimento coletivo que mescla autocomedimento, pesar reservado e grave circunspeção, jishuku. É sentimento que vem do íntimo de cada um, voluntariamente (sem que ninguém dite regras ou diga o que seja apropriado) nos momentos de grande perda ou comoção nacional. Nos últimos tempos, o país experimentou esse sentimento nos dias após a rendição do Japão na Segunda Guerra, quando tiveram que “suportar o insuportável” em meio à fome, racionamentos e devastação de grandes metrópoles (Tóquio principalmente) bombardeadas e incendiadas por blitz aérea, e duas outras destruídas por bombas nucleares. Quando da agonia e morte do Imperador Showa em janeiro de 1989, o país também observou um período de jishuku: mergulhado em luto e pesar profundo, o povo se absteve, por longas semanas, de promover ou participar de eventos, voluntariamente: inaugurações, festividades, espetáculos, até festas de casamento foram adiados ou cancelados, considerados impróprios e inadequados para o momento.

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Treinados para Emergências e Preparados para Crises

22 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , , , | 4 Comentários »

Acompanhando o drama dos japoneses, o mundo se espanta com a calma e ordem com que o povo enfrentou o desastre, enterra os mortos, e se prepara para a recuperação. Trabalhadores estrangeiros aflitos congestionaram aeroportos tentando sair do país a qualquer custo, apavorados com tremores, desabastecimento e radiação.

Residindo no Japão desde 1994, Amy Chavez, do The Japan Times (What it means do be ‘prepared’- 19 de março), narra como o Japão “escoteiro”, arquipélago sob o signo de desastres naturais, se mantém em alerta permanente, com uma organização altamente coordenada de suas forças de defesa civil e do batalhão de médicos, paramédicos e voluntários. O governo, em conjunto com prefeituras, escolas, hospitais, fábricas e empresas cumpre treinamento intensivo da população, para evacuações de emergência. Mais do que tudo, porém, o país se esforça para o preparo individual para crises: cada pessoa sabe exatamente o que fazer numa emergência. Não nativos acham que o país é hiper- obsessivo e exagera no que diz respeito a preparo da população para desastres. Mas o de 11 de março mostrou que nenhum preparo pode ser demais.

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Teatro Kyogen em Tóquio e no Brasil

23 de fevereiro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Cultura | Tags: , , , , | 2 Comentários »

Teatro cômico, o kyogen – pronuncia-se /kiyôguen/ – está intimamente associado ao teatro Nô: é representado entre os atos de um longo espetáculo para relaxar a plateia. Inspirado diretamente no sarugaku (antiga dança camponesa originária da China), o kyogen poderia se equiparar às farsas satíricas da Europa, que por sua vez tem raízes nos mimos medievais, gênero cômico menos exigente que a alta comédia, e tinha por objetivo apenas divertir o público, sem se preocupar com mensagens morais: busca o humor pelo humor, geralmente pintando gente simples e ingênua da plebe ou do campo (Gil Vicente em Portugal, commedia dell’arte na Itália, farce / mime na França, como também os skits – falas satírico-cômicas à parte que Shakespeare introduzia no decorrer de suas peças dramáticas, justamente para “aliviar” a tensão).

O kyogen desenvolveu-se no Japão no século XIV quando trupes viajavam apresentando-se em templos, santuários e festivais, patrocinados pela nobreza. Contrastando com o distanciamento formal dos personagens do Nô, os artistas do kyogen dependem de exuberantes expressões faciais para produzir efeito cômico. Enquanto peças de focam temas trágicos e retratam acontecimentos simbólicos ou mágicos através da música e da dança, com uso de máscaras em muitas cenas, as narrativas em kyogen se baseiam em assuntos mundanos da vida cotidiana por meio do diálogo e da mima. As máscaras são usadas para representar animais, os mais comuns sendo texugos e raposas. Assim, exige-se dos atores do kyogen um alto nível de controle e expressão vocal, facial e físico, conjugados à habilidade da fala e da comunicação. Designados como “Monumentos Culturais da Humanidade” pela Unesco, e kyogen são tradições teatrais com mais de 600 anos de história.

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Okura Yataro Torahisa XXV (centro) se prepara para o palco, assistido por seus filhos Sentaro e Motonari

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Performance da Família Shigueyama, do Kyoto okura kyogen theater

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