Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Minha Experiência Num Mosteiro do Japão

28 de março de 2010
Por: Monja Coen | Seção: Depoimentos | Tags: , , , , , , | 2 Comentários »

coen123 Hoje, fiquei muito feliz em poder participar deste encontro aqui no Pavilhão Japonês, no Parque Ibirapuera. Agradeço profundamente pelo convite que me fizeram para falar um pouco sobre o Zen Budismo. Ao chegar aqui, muitas doces memórias foram ativadas! Primeiro, a Cerimônia do Chá.  Todas às quartas-feiras, a reverenda Kurigi Roshi vinha nos dar aula de chá, no mosteiro onde pratiquei por oito anos seguidos.

Eram momentos mágicos.  Sem palavras.  O fluir com o fluxo da vida.  Silêncio.  Movimentos simples e precisos. Nada extra.  A Cerimônia do Chá se iniciou com os monges e monjas Zen Budistas.  A partir das ofertas que faziam nos altares.

Lembro-me do monge indiano, Bodidarma, conhecido como o fundador do Zen Budismo na China.  No início do século VI, Bodidarma chegou à China e trouxe consigo a prática do Zazen – meditação sentada – e trouxe também o chá.  Chá que servia de remédio, de refresco e de estimulante durante a meditação.

Zazen – meditação Zen Budista – não é relaxamento nem pode ser adormecimento.  É despertar, acordar para a essência verdadeira do ser.  Esta essência não essência.  O eu não-eu que é a vida da Terra. Somos a vida da Terra.  Não viemos de fora, nem iremos para fora. Estamos todos interligados com tudo que existe.

Depois desta minha fala,  ouviremos o Shakuhatchi – a flauta de Bambu. Meditação sonora. Houve época em que monges budistas usavam a flauta para orar, meditar.  A prece sem palavras.  O som que eleva e conduz a planos superiores de consciência.  A respiração consciente.  O corpo todo se transforma em notas musicais. Todas as emoções e sensações traduzidas em sons.  Sons muito diferentes das escalas ocidentais. A música não-música Zen. Belíssimo.

E, para completar nossa tarde, teremos a apresentação do mestre Toshio Tanahashi. Shojin Ryori. Culinária como prática religiosa de gratidão e apreciação, respeito e cuidado. Falar de Shojin é falar de Virya, em sânscrito – um dos ensinamentos de Buda, um dos Paramitas ou Haramitas.

A palavra Paramita (ou Haramita, em Japonês) significa completar ou atingir a outra margem. Buda dizia que há Seis Paramitas, ou Seis Práticas que nos levam da margem do sofrimento, delusão à margem da sabedoria e completude. Delusão é uma palavra interessante.  Iludir é o que faz o mágico.  Parece fazer surgir do nada um coelhinho.  Ou a escola de samba do Rio, neste último Carnaval, que jogava um pano preto e quando o levantava todos estavam diferentemente vestidos.  Isso se chama ilusão. Delusão é acreditar que o coelho surgiu do nada, que a mágica é realidade.  Muitas vezes nos sentimos separadas, separados do todo. Isto é delusão.  Nos sabermos interligados, interconectados com tudo que existe, é sabedoria, compreensão correta.

Há uma escola budista que considera Shojin a capacidade da mente humana de procurar o que é correto e afastar-se do que é incorreto. Outros traduzem Shojin como assiduidade, prática incessante do caminho de Buda, praticar o que é correto, sempre.

Os Seis Paramitas, as seis práticas que nos levam a alcançar a Terra Pura.  E quem disse que já não estamos todos aqui na Terra Pura? Mas há pessoas que ainda não compreenderam, que vivem em delusão, sofrimento.  Então, o nosso voto, o nosso propósito, o voto de Bodhisatva é o de fazer com que todos os seres cheguem a esta Terra Pura, a este estado de paz e tranquilidade sábias.

O primeiro Paramita é Dana – doação.  Doar coisas materiais, doar de si mesmo, ensinar, transmitir ensinamentos – como da Cerimônia do Chá, como da Culinária.  Ouvir a alguém, estar presente para alguém. Cuidar da Terra – tudo pode ser entendido como doação.

O segundo é Sila (kai em japonês) – são os Preceitos, a vida ética.   A atenção em como falar, agir e pensar o mundo.

O terceiro é Ksanti – paciência.  Meu mestre de ordenação nos Estados Unidos, Maezumi Roshi, sempre me repetia: Be patient! Be patient!  É difícil para todos nós.  Queremos resultados imediatos.  Na culinária, é preciso paciência.  Em tudo é.  Fazer com cuidado, com respeito. Durante os dois primeiros anos em que estive no Mosteiro de Nagoia, no Japão, só me foi permitido lavar pratos.  Depois de dois anos, me ensinaram a fazer missoshiru (sopa de missô).  Mais algum tempo e me deram a honra de lavar o arroz.  É preciso amar o arroz para poder tocá-lo.  É preciso saber o sabor dos alimentos para poder cozê-los.   Paciência.

O quarto é Virya – Shojin em japonês – assiduidade.  Lembro-me da origem da palavra religião em latim.  Um dos sentidos é religare – reconectar com o sagrado, com a essência do ser, com o eu verdadeiro. Outra origem é relegere – ler de novo a nossa história, a história de vida, rever nossos valores e padrões de comportamento.  A terceira é religiosamente, ou seja, constantemente, com assiduidade. Shojin.

O quinto é Dhyana – Zen em japonês – meditação.  Sentar-se com a postura correta, respiração consciente e penetrar a essência da mente.

O sexto é Prajna – Hannya em japonês – sabedoria suprema. Acessar o conhecimento mais profundo de si mesmo e da realidade.

Nos mosteiros Zen, a posição de Tenzo, chefe da cozinha, só é dada a um monge ou monja que já tenha atingido o estado superior de consciência.   A mesma coisa com a Cerimônia do Chá – os Iemotos, chefes de família da Cerimônia de Chá – devem ter acessado a grande iluminação. Tenzo é quem sabe apreciar cada alimento e fazer pratos que facilitem a prática do Caminho.

Na Índia antiga, os monges e monjas esmolavam para sobreviver. Não era permitido que cozinhassem, plantassem. Eram nômades e comiam o que mendigavam.  Não era permitido escolher, nem mesmo remexer os alimentos na tigela.  Comiam com as mãos.

Quando o Budismo chega à China, um país mais frio e um país que não era Budista, os monásticos passam a ter que plantar e cozinhar para o seu sustento.  Era impossível depender da mendicância. Assim como agora no Brasil, um país predominantemente cristão, é difícil para monges e monjas budistas dependerem apenas de doações de fiéis.  Por estas e outras razões, os monges e monjas iniciaram a plantação de verduras, vegetais e iniciaram o que hoje se chama Shojin Ryori – Cozinha Shojin.  Alimentos saudáveis de fácil digestão para facilitar as práticas meditativas.

Nós somos mantidos vivas e vivos por energia solar.  Não somos capazes de captar essa energia diretamente do Sol.  As plantas fazem  a fotossíntese.  Quando nos alimentamos, essas moléculas se partem em nosso organismo e liberam energia solar.  A carne também, apenas em segunda mão.

O que é adequado para se alimentar em cada época do ano e em cada região do planeta tem a ver com o que naturalmente ali cresce.  Voltar ao que é natural – a nossa essência.  Nos dias quentes, não é adequado, por exemplo, comer muito chocolate.  Chocolate é comida energética, boa no inverno, no frio.  Então, como nos alimentarmos de forma adequada?  Seguindo a natureza, com simplicidade.

A simplicidade, às vezes, é difícil de ser atingida.  São necessários anos e anos para que as pessoas possam apresentar uma Cerimônia de Chá onde todos os movimentos são precisos, simples e fluidos.  São necessários anos e  anos para aprendermos ou reaprendermos a apreciar os alimentos naturais do local em que vivemos e os transformar em pratos deliciosos e saudáveis. Pratos feitos com respeito e ternura.

Que os méritos de nossa prática se estendam a todos os seres e que possamos todos nos tornar o Caminho Iluminado.
Mãos em prece.


2 Comentários para “Minha Experiência Num Mosteiro do Japão”

  1. Jaime Pereira da Silva
    1  escreveu às 08:45 em 29 de março de 2010:

    São sempre muito bem-vindos os ensinamentos da monja zen-budista Coen. Seria interessante trazer sempre palavras como as dela, incluindo outros pensadores. Precisamos de sabedoria que nos tire um pouco da cotidianeidade e aperfeiçoe nossos pensamentos para atos mais nobres.

  2. Paulo Yokota
    2  escreveu às 09:00 em 29 de março de 2010:

    Caro Jaime Pereira da Silva,

    A Monja Coen é colaboradora nossa, mas sempre está muito atarefada. Ela tem um site próprio, http://www.monjacoen.com.br
    e o http://www.zendobrasil.org.br também traz uma série de informações de interesse geral sobre o zen budismo. Vamos procurar colaborar com ela.

    Paulo Yokota


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