Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Brumas de Chongqing

10 de julho de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , , , ,

Distante 2.400 km de Xangai, rio acima, localizada na península formada pela confluência do intrépido rio Jialin com o poderoso Yangtsé, a cidade de Chongqing marca a passagem do Leste para o Oeste, no coração do continente chinês. Sua posição estratégica, às margens do grande rio e entre as províncias de Sichuan e de Hubei, a fez importante porto fluvial desde tempos imemoriais, escoadouro dos produtos da fértil região, celeiro da China. Durante a II Guerra, foi lá que o governo nacionalista de Chiang Kai-shek buscou abrigar-se dos bombardeios japoneses. Universidades e indústrias do leste também foram transferidas então para Chongqing. Em 1949, com a proclamação da República Popular da China, os nacionalistas se retiraram para Taiwan. O governo de Mao Tsé-tung continuou, porém, a incentivar indústrias a se instalarem em Chongqing, num grande movimento de marcha para o Oeste.

A construção e a recente finalização da usina das Três Gargantas, aliada à complementação de barragens e de projetos de irrigação, tornaram o rio Yangtsé seguramente mais navegável e regularizado contra os problemas de enchentes e inundações. Navios de razoável calado vão e vêm entre Chongqing e o Delta, no Mar Oriental da China, trazendo e escoando produtos. Para melhor coordenar os projetos da Usina, a cidade tinha sido elevada à categoria de Municipalidade Autônoma, em 1997. Chongqing se tornou, desde então, o maior município do mundo, ocupando todo o Leste da província de Sichuan, com 32 milhões de habitantes em todo o seu entorno (os outros municípios autônomos são Beijing, Tianjin e Xangai).

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Vista aérea do Centro de Chingqing – Foto: Galeria de lalatinlala

Melhoramentos em infraestrutura provocaram a chegada de centenas de investidores nacionais e estrangeiros, e gigantescos joint-ventures variando de montadoras de carros, indústrias pesadas e químico-petrolíferas, corporações financeiras a grandes firmas de varejos: Ford/Mazda/Changan Corp., Lifan/Hongda Enterp., Chongqing Iron & Steel, South West Aluminium, Petro-China, inúmeros bancos internacionais, e varejos com imensos centros de distribuição (Wal Mart, Carrefour). A filial da Cartier em Chongqing presume-se ser uma das maiores e mais luxuosas do mundo.

A localização na bacia de Sichuan, cercada por montanhas que parecem cobrir a península, torna o ar de Chongqing sempre úmido, bastante quente no verão. No inverno e primavera, a visibilidade fica comprometida pela densa neblina, que é agravada pela poluição industrial. Antes conhecida como Shan Cheng (Cidade Montanha), hoje é chamada Capital do Fog, grande parte do ano envolta em brumas. O clima ameno, porém, torna a planície e os platôs, com seus terraços cultivados, propícios a uma agricultura de rica diversidade.

É nesse cenário que o cineasta Wang Xiaoshuai situa o drama do marinheiro Lin em Chongqing Blues (2010). Ao saber de incidente com o filho, morto por um policial em circunstâncias não muito claras, Lin volta a Chongqing depois de 15 anos. A agitada cidade lhe parece agressiva e hostil com construções e prédios que ele não reconhece. Quando tenta entender a morte do filho, Lin se dá conta que tampouco se lembra do rosto dele, a quem abandonara, e à mãe, quando o menino tinha 10 anos. Ao procurar resgatar a memória do filho entre os amigos deste e a namorada, Lin sente o enorme abismo e distância que o tempo, o espaço e a ausência impuseram definitivamente entre ele e seu filho. Ainda busca por uma imagem do filho na fita gravada pelo circuito do supermercado, onde, num dia de fúria, ele ferira algumas pessoas, fizera outra refém, e finalmente fôra abatido por um policial. As imagens difusas não lhe trazem de volta o rosto do filho, nem os testemunhos que investiga pela cidade lhe abrandam o coração pelos motivos que levaram Bo, o filho, a cometer tal insânia. Xiaoshuai relata tudo sem tomar partido, mas nossa empatia é com Lin na sua procura melancólica, na busca solitária e culpada pelos meandros da região deteriorada da cidade envolta em brumas. O céu, indefinidamente cinzento e carregado, pesa opressivamente sobre nossas cabeças, em nítida metáfora do spleen baudelairiano.

Mas quando amanhece um dia claro e o sol ilumina Chongqing e seus arredores – o grande brilhante rio e seu incessante movimento, as férteis planícies e platôs com as suas bem cuidadas, irrigadas e verdejantes plantações a perder de vista, ao longo de Sichuan e de Hubei – não sem razão nos indagamos se aqui não seria de fato a Boa Terra descrita um dia pela norte-americana e Prêmio Nobel, Pearl S.Buck.



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