Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Tempo de Florir e Tempo de Renascer

4 de abril de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: , , , | 8 Comentários »

“Abril é o mais cruel dos meses,

Fazendo da terra morta florir lilases;

O inverno nos manteve aquecidos,

Cobrindo a terra com neve que tudo faz esquecer…”

(Terra Devastada, 1922 – T.S.Eliot, 1888-1965)

Nunca este poema do poeta anglo-americano nos tocou tão profundamente como nos dias atuais. Aos seus olhos, o ressurgir da primavera é tanto mais pungente quando da natureza deteriorada desabrocha o delicado perfume das primeiras flores. Talvez o poeta contemplasse paisagem dos sombrios dias da Primeira Grande Guerra – quando milhões perderam casas, entes queridos, e esperanças. Mas a imagem da ressurreição está presente nos delicados lilases contrastando com um mundo árido e fragmentado.

Um repórter da NHK, transmitindo notícias diretamente da devastada cidade litorânea de Kesen-numa, província de Miyagi, apontou a câmera para uma solitária cerejeira nua que teimava em permanecer de pé em meio aos escombros. Observando com atenção, porém, na ponta de galhos castigados apontavam alguns botões prestes a abrir. Pelo que cerejeira em flor significa para a cultura e a alma japonesas, o repórter mal conseguia disfarçar a emoção: “Mesmo na devastação, o sakura quer florescer a qualquer custo; aí está o verdadeiro espírito do Japão neste momento”. Não deu para não relembrar o pungente poema de Eliot.

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O hanami-zensen, avanço da florada de cerejeiras, que já começou em Okinawa e caminha da região sul em direção ao norte do arquipélago, anuncia que a primavera já chegou ao país. Devido ao inverno rigoroso deste ano, veio com uns seis dias de atraso, conforme meteorologistas. Algumas espécies precoces já florescem em Kansai (Tóquio e adjacências).

O florescer do sakura, mesmo em tempos normais, é uma imagem de beleza que mistura alegria a uma melancolia de tristeza profunda e pungente. Efêmera, a flor de cerejeira se desfaz ao mais leve vento, justamente no momento de seu maior esplendor. Esse esvoaçar das pétalas ao vento é a imagem que mais seduz: ela ilustra a noção arraigada na cultura japonesa do sentimento de hakanasa. Hakanai, uma das muitas palavras japonesas sem tradução equivalente, fala da fragilidade e da evanescência fugidia das coisas da vida – ao mesmo tempo imbuídas de fortaleza interior. O sakura não teme se desprender da vida em seu momento de esplendor máximo – preceito que representa o espírito guerreiro de bravura, estoicismo, e auto-sacrifício. Por isso se dizia que a flor da cerejeira simbolizava o caráter de um samurai.

Hanamis pelo Japão se prenunciam contidos e reservados este ano, sem a ostentação festiva de reuniões regadas a bebidas, em respeito ao momento. Será um hanami como teria sido nos tempos da corte de Heian, em Quioto (anos 794 a 1185): tomando chá e saboreando doces, os nobres contemplavam pétalas de sakura flutuando no ar, e compunham elegantes poemas, sutis e intimistas. Tudo tem o seu tempo determinado debaixo do céu: neste mundo contemporâneo, que se achava perdido em meio à vã consumismo irrefletido, vai ser um tempo de reflexão, congraçamento, e esperanças renovadas.


8 Comentários para “Tempo de Florir e Tempo de Renascer”

  1. Lucas Capez
    1  escreveu às 17:09 em 4 de abril de 2011:

    Sr. Yokota:

    Leia esta reportagem (duas páginas), por gentileza:

    http://exame.abril.com.br/economia/mundo/noticias

    Estou emocionado com o espírito nipônico de ajuda ao próximo.

  2. Paulo Yokota
    2  escreveu às 20:26 em 4 de abril de 2011:

    Caro Lucas Capez,

    Realmente, um desastre natural tem este poder de aglutinar toda a população, inclusive de um coreano como o proprietário da Softbank que sofre com seus patrícios uma discriminação oficial no Japão. Eles que foram trazidos para o Japão, como trabalhadores de uma colônia japonesa, estão na quinta geração, mas não podem obter a cidadania japonesa. Eu o conheço pessoalmente, mas não acredito que seja o mais rico do Japão, pois os japoneses realmente ricos são muito enrustidos.
    Que todos estão colaborando não há dúvidas. Vamos promover na próxima segunda feira um concerto beneficente da OSESP, que necessita de um comparecimento maciço dos brasileiros, demonstrando a sua solidariedade com o povo japonês.

    Paulo Yokota

  3. Mariana Resende
    3  escreveu às 16:56 em 5 de abril de 2011:

    Caro Dr. Paulo Yokota:

    De certo modo, a imagem do Japão ficou um pouco arranhada, mormente em razão da crise nuclear. Como o atilado escritor acredita que a nação de seus antepassados poderá reverter este quadro?

    Na capital fluminense, num coletivo, escutei duas senhoras dizendo absurdos do Japão. Elas acham que nada presta no país, pois os nipônicos não estão conseguindo dar um ponto final na questão de Fukushima.

    Culinária, cultura, aparência física, religião etc., enfim, tudo era motivo de críticas e comentários preconceituosos. Uma das mulheres acreditava que as catástrofes seriam castigo, pois os japoneses são budistas e nao evangélicos… Alias, ambas eram negras…

    Como o senhor diria a elas?

  4. Paulo Yokota
    4  escreveu às 18:15 em 5 de abril de 2011:

    Cara Mariana Resende,

    Obrigado pelos comentários. Independentemente de etnia, os pobres de espírito existem em qualquer país, lamentavelmente, mas não tenho nenhum preconceito. Muitos cristãos japoneses foram sacrificados e pediram para serem cruxificados de cabeça para baixo, pois não eram dignos de morrerem como Cristo. A Igreja Católica tem mais santos japoneses que brasileiros (mas podemos chegar lá…)
    Incompetentes também, infelizmente, existem em muitos países, e os responsáveis pelo Fukushima Daiichi estão se esmerando para destruir a boa imagem de qualidade que tinha o Japão.
    Podemos exemplificar positivamente que nenhum edifício japonês desabou com todos estes terríveis terremotos (foram cerca de 100 em cerca de um mês, com mais de 6 graus da escala Richter), e os maiores danos foram provocados pelo tsunami. Os japoneses se orgulham que o trem rápido deles, chamado Shinkansen, com todo este desastre não sofreu nenhuma vítima sequer. Em menos de três semanas de 11 de março, 90% das rodovias, aeroportos, portos já estavam reconstruidos.
    Os estudos demonstram que estes desastres naturais provocam uma aglutinação de toda população, inclusive os mais de 250.000 brasileiros que vivem no Japão, e acabarão reconstruindo o país, como fizeram depois de sofrerem duas bombas atômicas no final da Segunda Guerra Mundial. O mundo está demonstrando a sua solidariedade, pois este desastre não é japonês, mas de toda a humanidade, do qual vamos extrair, todos nós, lições de humildade diante da força da natureza.

    Paulo Yokota

  5. Tiago
    5  escreveu às 10:54 em 6 de abril de 2011:

    Sr° Paulo Yokoda,

    Em relação a seu 1° comentário sobre discriminação do proprietário do Softbank.

    Já ouvi falar que os japoneses tem preconceito com coreanos e chineses, além dos mestiços ( japonês com outra etnia).Inclusive os próprios brazucas-niponicos reclamam disso. E que os coreanos guardam rancor dos japas por causa da 2° Guerra Mundial, assim como os chineses.

    É verdade isto? Os coreanos e chineses são tão parecidos com eles, pra não dizer iguais, que me impressiona tal atitude.

  6. Paulo Yokota
    6  escreveu às 13:37 em 6 de abril de 2011:

    Caro Tiago,

    Lamentavelmente existem variadas discriminações que não ocorrem somente no Japão. Aquí no Brasil começa a ocorrer o "bullying" nas escolas, como vem sendo notiado na imprensa, com os alunos que mais se destacam, pois o grupo deseja que todos se mantenham dentro do que entendem como a normalidade. No Japão, independentemente das etnias, todos que são diferentes em algo, acabam sofrendo uma forte pressão social, pelos que se consideram normais, pois são mais semelhantes e vivem num pequeno arquipélago. No nosso país, com amplas diversidades, fica difícil afirmar o que é "normal", mas também ocorrem algumas condenáveis atitudes que podem ser consideradas discriminatórias.
    É natural que os ocidentais considerem os orientais parecidos. Os orientais também têm a mesma impressão dos ocidentais. Graças a Deus está ocorrendo uma globalização, e uma melhoria dos sistemas de comunicação, o que certamente contribuirá para a redução destas desigualdades. Os mais graves ocorrem nas convicções religiosas, onde alguns radicais provocam os de outras religiões, com consequências lamentáveis. Precisamos ser mais tolerantes, uns com os outros.

    Paulo Yokota

  7. Lucas Capez
    7  escreveu às 05:58 em 8 de abril de 2011:

    O leitor Tiago não pode generalizar, pois conheço muitos nipo-brasileiros que foram tratados de forma cordial pelos nipônicos. Preconceito existe em toda e qualquer sociedade. No Brasil, muitos negros e índios são discriminados.

  8. Paulo Yokota
    8  escreveu às 06:10 em 8 de abril de 2011:

    Caro Lucas Capez, b

    Lamentavelmente, isto é uma realidade. Não acredito que o Tiago desejasse enfatizar esta tendência entre os japoneses, mas tudo indica que ela é mais acentuada entre povos que apresentam pouca miscigenação ou desenvolveram suas culturas em ambientes mais isolados.
    Acredito que haverá uma melhoria com a globalização e o desenvolvimento dos meios de comunicação, mas não subestimo as dificuldades, pois até na pequena Suiça desenvolvida ví as diferenças que existem entre os diversos cantões. Este é um assunto controvertido que vai exigir muitos estudos dos antropólogos.

    Paulo Yokota


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