Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Ora Direis, Ouvir Sabiás

5 de outubro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, webtown | Tags: , , ,

“Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá;

As aves que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá…” –

(Canção do Exílio, Antonio Gonçalves Dias, Coimbra, julho/1843)

Levante a mão quem nunca recitou de cor esses versos aos seis, sete anos, para impressionar professora. Ou que não conheça alguma música / canção que enaltece sabiás e seu melódico gorjeio. Ou que não foi tomado de saudades quando, surpreso, reconheceu um passarinho parecido com sabiá-laranjeira em terras estrangeiras – no Jardin du Luxembourg, em París, num quintal de Westchester, em subúrbio de Nova York, num parque de templo em Nara, Japão.

Exatamente. O sabiá-laranjeira (turdus rufiventris) pertence ao gênero dos tordos, da família Turdidae: em Paris ou Lisboa, é merle/melro, grive/tordo (turdus merula/ turdus viscivorus); nos EUA, american robin (turdus migratorius); no Japão, tsugumi (turdus naumanni). São todos pássaros fortes, onívoros (comem tanto insetos, quanto frutas), têm canto melódico. Diferem na entonação dos sons e na cor das penas, mas todos têm aquele jeitinho característico de, quando no solo, dar uma corridinha e parar, dar outra e parar, e olhar curiosamente ao redor. Sem querer ser chauvinistas, brasileiros achamos que sabiá-laranjeira canta mais maviosamente que qualquer desses “parentes”. E é verdade. Mas para americanos, nenhum turdus canta melhor que um robin americano. Gonçalves Dias deixou Maranhão para ir estudar em colégio de Lisboa e se preparar para cursar Coimbra, em 1838, quando tinha apenas 15 anos. Não admira que chorasse de saudades dos sabiás da sua nativa Caxias, Maranhão, quando ouvia um melro “tweetar” em português lusitano.

sabia laranjeirarobingrivemelroTurdusNaumanni2

Sabiá-laranjeira, robin americano, tordo francês, melro,tordo japonês

Quem entende mesmo de canto de aves é o engenheiro e ornitólogo Johan Dalgas Frisch: “O sabiá tem a qualidade do som. Não existem dois sabiás com a mesma música. E o som dele é muito agradável ao homem porque está dentro da faixa auditiva humana.” Eles são os primeiros a começar a gorjear na primavera, e primeiros a madrugar todos os dias – a matinada começa antes das quatro da manhã. Vai até a hora do café, com descanso até a tarde. Últimas aves a se recolher, gorjeiam até pelas dezoito horas, nesta época.

O sabiá-laranjeira foi oficialmente considerado ave símbolo do Brasil em 3 de outubro de 2002, por decreto do então presidente Fernando Henrique Cardoso, quando era ministro da Educação e Cultura o saudoso prof. Paulo Renato Souza. “Não é só beleza ou trinado mais harmonioso que conta para ser ave símbolo de um país. É preciso fazer parte da cultura, do folclore, ter presença na literatura, na poesia, na música, e viver perto das pessoas”, explica Dalgas Frisch. Segundo o ornitólogo, uma lenda indígena diz que se no início da primavera uma criança ouvir um sabiá-laranjeira na madrugada será abençoada com muita paz, amor e felicidade.

Moradores cá dos bairros do Planalto Paulista, Mirandópolis e cercanias, na cidade de São Paulo, com tantas árvores e verde nos rodeando, e simpatizantes instalando bebedouros e comedouros para o passaredo em quintais de casas, e jardins de condomínios de apartamentos, certamente somos gente feliz, com muita paz e amor. Desfrutamos de gorjeios e trinados não só dos simpáticos turdus rufiventris, como de delicadas cambacicas, ligeiros sanhaços azuis e saíras do coqueiro, valentes bem-te-vis, ou barulhentas maritacas. E a cada ano parece que as famílias deles aumentam mais, e mais perto se aproximam da gente.



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