Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Língua Franca em Tempos de Comunicação Global

30 de março de 2012
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, webtown | Tags: , ,

Karl Marx já teorizava que aptidão em língua estrangeira é arma para se engajar em luta de classes, mas, em tempos de Guerra Fria, o inglês foi banido da China, taxado como “língua imperialista”. Contudo, a língua da Albion sempre fascinou os chineses. O próprio Mao Tse Tung teria sido ávido aprendiz do inglês. Abertura política iniciada a partir de 1978 por Deng Xiaoping tirou chineses de longo isolamento, permitiu-lhes estudar em universidades estrangeiras. Inglês se tornou janela para o mundo.

Programas de aprendizado da língua inglesa, como o Follow Me, da BBC, viraram ícones no país, milhões de chineses seguiam pela tevê, três vezes por semana. Nos anos 1980, proficiência em inglês se tornou pré-requisito para ensino colegial, a seguir para admissão em universidades. Logo, não falar a língua se tornaria forte obstáculo para obtenção de títulos profissionais. Competência em inglês é tão vital que pais se sacrificam para colocar crianças em escolas bilíngues caras, enquanto jovens e maduros se atropelam em centros de aprimoramento dessa língua. Todavia, se questiona o exagero dado à proficiência do inglês como segunda língua (En route to English, China Daily, 23/março/2012).

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O fato é que chineses falam um inglês melhor que seus vizinhos do Leste-Sudeste asiático. A natureza dos fonemas monossilábicos das línguas faladas na China – seja mandarim, cantonês, hakka, shangainês – capacita órgãos da fala e sinapses entre neurônios a aceitar sem traumas sons e particularidades da língua inglesa. O que não ocorre com a língua japonesa: não existindo fonemas consonantais como /v/, /si/, /zi/, /r-forte/, /l-linguodental/, ou grupos formados com /r/ (/br/, /dr/, /pr/,…), nem consoantes finais mudas, palavras como velvet, Cinderela, Brazil, drink, present, se pronunciam /berubetto, shinderera, burajiru, dorinku, puresento/. Detalhes que significam tremendo handicap para japoneses superarem. Mas não impediu que a “onda americana” se tornasse febre no Japão desde após II Guerra e japoneses absorvessem expressões inglesas “ajaponesando” a fonética, por vezes encurtando-as carinhosamente em jargão só inteligível para eles: rimocon (remote control), pasocom (personal computer), sekuhara (sexual harassment), sumaho (smartphone), goheh (go ahead) etc.

No Japão o ensino do inglês é compulsório no chugakko (“ginasial”), dos 12 aos 14 anos. Desde 2011, o inglês se tornou obrigatório a partir da 5ª e 6ª séries do fundamental (shogakko), uma vez por semana. Está causando muita polêmica, pois faltam professores preparados para tal, e ensino apenas semanal de língua estrangeira é nada produtivo, alegam especialistas. Numa convocação de pessoas com fluência em inglês para preencher a demanda para professores pela nova lei, no começo de 2011, apresentaram-se candidatos de múltiplas nacionalidades – indianos, filipinos, americanos, ingleses, canadenses, neozelandeses, australianos – com profissões que iam de enfermeiras a músicos e tatuadores, sem qualquer formação para o ensino do inglês como língua estrangeira (NHK-Gatten). O mito entre jovens japoneses de que professor de inglês tem que ser nativo, e de preferência dos EUA, faz governo e províncias facilitarem entrada de jovens americanos via intercâmbio para lecionarem inglês em escolas públicas. Se o contato com língua e cultura junto a alguém nativo é positivo, a mobilidade itinerante desses jovens é muito alta: muitos se mudam ou retornam repentinamente para seus países, a continuidade é precária.

No Brasil, também essa aura de professor americano nativo e cultura americana já foi muito forte. Centros binacionais e colégios particulares em São Paulo preferem professores de línguas com experiência de imersão em país de língua inglesa, e formação universitária em didática especial e linguística aplicada ao ensino do inglês como segunda língua: mais aptos para entender e atender dificuldades e necessidades inerentes ao aluno brasileiro. A similaridade fonético-morfológico-sintática da língua portuguesa do Brasil em relação a línguas indo-europeias remanescentes, aliada à sua flexibilidade de língua aberta a influências externas, propicia órgãos da audição e fala do brasileiro a assimilar naturalmente sons, pronúncia e entonação do inglês, do alemão, e de todas as outras línguas ibéricas de origem comum latina.

Cada era da Civilização teve a sua língua franca: o grego clássico, o latim no Império Romano, o alemão em fins do século XIX seguido pelo francês na Europa. Na era da comunicação global, quando conhecimento sólido de língua universal é condição sine qua non para se sobressair, o inglês deverá continuar sendo a língua franca por uns bons tempos mais, segundo linguistas: a última das línguas francas do ultimo dos impérios. Depois, será a vez da língua dominante de cada bloco, conforme a preponderância do país que estiver dando as cartas. Se calhar de vir a ser o mandarim por lá, por que não o português brasileiro por cá?



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