Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

‘Cinema Japonês na Liberdade’, de Alexandre Kishimoto

27 de fevereiro de 2013
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais, Notícias, webtown | Tags: , , ,

Recebi da Editora Estação Liberdade um exemplar de divulgação do livro “Cinema Japonês na Liberdade” antes do seu lançamento comercial, que será nos próximos dias e certamente será um sucesso. Já estava providenciando a sua compra, motivado pelo artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo. Como afirma no prefácio Jeffrey Lesser, conhecido acadêmico norte-americano de estudos de comunidades étnicas no Brasil, o seu autor que é Alexandre Kishimoto, mestre em antropologia social pela Universidade de São Paulo, apresenta uma nova abordagem do assunto, utilizando o cinema japonês no bairro da Liberdade como um instrumento. O livro vai muito além da análise da história do cinema japonês no Brasil, e exatamente porque o autor não domina o idioma japonês se socorre de outras fontes, tirando partido de entrevistas e outros ângulos de observação. Ele cita um importante apreciador brasileiro do cinema japonês, que não entendia o idioma nipônico e quando não havia legenda no filme, ele ficava analisando todos os detalhes da cinematografia utilizada. O mesmo parece acontecer neste livro, ainda que toda a sua preparação tenha sido extremamente muito cuidadosa, de elevada qualidade acadêmica, com a assistência de algumas pessoas que tenham conhecimento do idioma japonês.

Alexandre Kishimoto é da geração dos meus filhos, e é preciso anotar que toda esta história deste livro é datada, como a constatação do preconceito dos brasileiros que não é somente dos e com os japoneses. Ele registra a observação de Olga Futemma que é de origem okinawana, hoje também cineasta, que se sentia discriminada mais acentuadamente na segunda metade do século XX por parte dos próprios japoneses. Quando eu dirigia o Pavilhão Brasileiro na EXPO TSUKUBA 85, na sua inauguração, a minha secretária que era da elite da sociedade de Tóquio, assustada, perguntou-me se todos aqueles visitantes tinham vindo do Brasil, quando eram na verdade rurícolas da região próxima, da Província de Ibaraki, quase vizinha da Capital.

Imagem livro PY

Apesar de ser um trabalho acadêmico utilizando ensinamentos de diversos autores, Alexandre Kishimoto revela uma elevada capacidade de comunicação, que permite a todos apreciarem o seu trabalho, mesmo não sendo antropólogo, apreciador do cinema ou historiador da comunidade nikkei no Brasil. A bibliografia é digna de um trabalho teórico, a organização de toda a listagem dos filmes bem como as documentações fotográficas são cuidadosas, sendo um livro primorosamente editado.

O seu conteúdo merece uma leitura cuidadosa, pois existem ricas observações relacionadas com os filmes, os cineastas que os produziram, os cinemas que os exibiam e seus empresários, como os frequentadores, que não eram somente nikkeis, cujos depoimentos foram colhidos, mas até alguns que se transformaram em renomados cineastas brasileiros ou elaboradores de legendas.

Os frequentadores que eram habituais iam dos idosos imigrantes japoneses, alguns que não conheciam a realidade japonesa senão por estes filmes, alguns que continuam ilhados nos seus conhecimentos. Bem como jovens descendentes de japoneses que tomaram conhecimento do Japão por intermédio deste poderoso instrumento que foi o cinema. Para alguns, eram programas familiares e rotineiros, independendo dos filmes que eram exibidos.

Ainda que sempre exista a tendência de generalizações, é preciso ter a consciência da ampla diversidade dos que foram influenciados por estes filmes, pelas suas mais variadas possibilidades. Constata-se a radical mudança que ocorreu em algumas décadas, o que não parece se restringir somente ao cinema japonês e todas as suas circunstâncias. O mundo mudou, e com ele o cinema mundial.

Muitos aspectos importantes que ocorreram na comunidade nikkei no pós-guerra parecem que foram adequadamente captados pela pesquisa de Alexandre Kishimoto, não havendo necessidade de uma opinião consensual sobre estes fatos. Os cinemas que eram alguns se tornaram pontos importantes da vida da comunidade, e unidades móveis se deslocavam para atender os interioranos com as múltiplas improvisações. E numa ampla parcela, os dramas das populações do Japão parecem estar refletidos pelo cinema, mas muitos aspectos parecem universais, tendo acontecido não só no Japão como em outros países que enviaram seus imigrantes para o Brasil, em épocas diferentes, talvez em intensidades diferentes.

Uma parte do livro é dedicada à análise dos filmes, destacando as diferenças dos japoneses com os de outras origens, com base nos depoimentos e documentações existentes dos trabalhos dos que estudam estes aspectos culturais, notadamente os que deixaram marcas mais profundas entre os frequentadores dos cinemas, entre eles alguns que se tornaram cineastas brasileiros reconhecidos.

Todo o livro foi elaborado com muito cuidado, consumindo anos de um intenso trabalho procurando usar fontes originais como selecionando alguns trabalhos que foram publicados, notadamente nos jornais. Tudo é apresentado com bastante equilíbrio, havendo material suficiente para a elaboração de uma enciclopédia. Um trabalho de elevada qualidade, como raros neste campo, sem nenhum ranço de exibição intelectual.

Na história da comunidade, é possível diferenciar as ondas de imigrantes japoneses de diversos períodos, os pioneiros da era Meiji, os que foram dominantes que eram das era Taisho e Showa, nacionalistas e militaristas, os posteriores à guerra, os provenientes de variadas províncias, suas experiências rurais e urbanas etc. que nem todas foram possíveis de serem diferenciadas. Mas os conflitos dramáticos entre os que consideravam que o Japão saiu derrotado da guerra mundial, com os fanáticos que acreditavam o contrário estão mencionados.

Também algo parecido aconteceu com outros imigrantes que vieram contribuir com o Brasil, de forma menos nítida. Foram os italianos ou franceses, cujos filmes evoluíram do neorrealismo que se seguiu à guerra à nouvelle vague que entusiasmou uma geração de espectadores. Acabaram sendo superados pelas gerações do rock, pela televisão e agora pelos meios eletrônicos de comunicação e relacionamento social, que não se restringe em particular com uma comunidade de imigrantes e seus descendentes, que estão cada vez mais integrados na sociedade miscigenada que é a brasileira.

A ampla variedade de entrevistados permitiu visões diferenciadas, mostrando a riqueza da diversidade brasileira que muitos teimam em simplificar, classificando os em categorias distintas. Parece preciso que se tenha a visão dinâmica do processo das diversas interações que vão ocorrendo, onde as diferenciações individuais acabam sendo relevantes.

O bairro da Liberdade deixou de ser dominantemente de japoneses e seus descendentes, com a grande presença de chineses e coreanos, muitos que não apresentam características de experiências culturais de vida em arquipélagos ou penínsulas. Os brasileiros que já ficaram impressionados com o cinema japonês e atualmente influenciados exageradamente pelos padrões norte-americanos e europeus ainda ignoram que a Índia ou a China produzem até filmes de qualidade em quantidades maiores que Hollywood, e poucos chegam ao Brasil. Somente alguns dos seus trabalhos, muitos enquadrados nos padrões ocidentais, é que chegam a ficar disponíveis para o público brasileiro.

Mas, o tempo acabará mostrando que também o mundo é mais rico do que permite o nosso atual conhecimento. Alexandre Kishimoto parece que ajudou a levantar uma parte deste véu que nos cobre. A sua avaliação adequada poderá ser feita com a leitura cuidadosa do livro que se tornará disponível para todos.



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