Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Fortaleza Superando as Expectativas

15 de abril de 2013
Por: Paulo Yokota | Seção: Editoriais, Notícias, webtown | Tags: , , ,

Mesmo tendo uma elevada expectativa de Fortaleza com o desenvolvimento recente porque passa todo o Nordeste brasileiro, confesso que fui surpreendido pelo elevado interesse cultural de parte de sua população. No domingo à noite, o público que compareceu para o espetáculo apresentado por Beth Goulart é um exemplo, tratando-se de um difícil monólogo sobre o trabalho da consagrada escritora Clarice Lispector considerada de complexa compreensão na literatura brasileira, e que não figura entre às mais populares. O famoso e exuberante teatro José de Alencar inaugurado em 1910, orgulho da cultura cearense, localizado no atual centro mais voltado para as atividades comerciais, encontrava-se com uma lotação difícil de ser alcançada em centros metropolitanos como São Paulo.

Como se trata de uma cidade tropical, eu tomei a liberdade de trajar uma camiseta e uma bermuda, mas era o único, destoando completamente do restante da plateia, que apesar do teatro tradicional com fina decoração da época de sua inauguração, contava com um ar condicionado até exagerado, resfriando todo o amplo ambiente. Os jovens estavam com o que costuma chamar-se de esporte fino, e o público feminino com trajes festivos com finas complementações, dignos das mais importantes cerimônias formais. Até um jovem casal que estava sentado logo atrás de nós, eu e minha esposa, falava correntemente em inglês, o que me levava à ideia de se tratar de estrangeiros que deveriam ter dificuldades de entendimento de um monólogo literário como o que seria apresentado. Para minha surpresa, acompanhava plenamente o espetáculo deixando-me perplexo sem entender exatamente o que ocorria.

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Teatro José de Alencar de Fortaleza e de Beth Goulart interpretando Clarice Lispector

Poucas vezes me senti tão deslocado, pois todo o conjunto do que acontecia fugia completamente da minha expectativa. Ainda que o Ceará tenha uma longa tradição literária desde José de Alencar, tendo a primeira mulher membro da Academia Brasileira de Letras, Raquel de Queiroz, não tive a capacidade de aquilatar a importância que os cearenses davam à literatura e à cultura no seu sentido mais amplo.

Pode-se ter a impressão de que existem alguns desequilíbrios na visão de terceiros, mas há que se respeitar profundamente o que vem marcando o desenvolvimento cearense, que não ocorre somente no seu campo econômico e político, mas no sentido cultural na sua concepção mais ampla.

As marcas dos cearenses estão em todo o Brasil, até nas regiões mais remotas. Se as fronteiras brasileiras foram confirmadas por Rio Branco nos extremos da Amazônia, há que se reconhecer que parte substancial deveu-se à presença dos seringueiros de origem cearense, que deixando regiões áridas foram se adaptar nas mais úmidas conhecidas no país, mostrando sua elevada capacidade de ajustar-se às adversidades que encontram.

Já se consagrou que o sertanejo é acima de tudo um bravo e poucos como os cearenses foram demonstrar o seu valor em todos os rincões do país. Se São Paulo foi capaz de crescer muito se deve aos imigrantes nordestinos, notadamente aos cearenses, que provaram a sua capacidade de trabalho em grandes metrópoles brasileiras, como pode se constatar em todas as partes, até nas suas periferias onde as condições são as mais adversas.

Há que se respeitar esta cultura dos cearenses que permite superar os obstáculos que enfrentam, contando com criatividade e muito trabalho duro, que nem sempre são compreendidos e nem fazem parte das expectativas ainda hoje existentes.



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