Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Vinte Anos do Plano Real

29 de junho de 2014
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia, Editoriais, Notícias, Política | Tags: , ,

Um dos planos de estabilização monetária brasileira, considerado dos melhores do ponto de vista econômico, o Plano Real não conseguiu eliminar totalmente a inflação, como continua limitando as possibilidades de crescimento econômico. O suplemento Eu & Fim de Semana do jornal Valor Econômico traz diversos pontos de vista, onde acaba prevalecendo a ideia que não foram executadas todas as decisões necessárias, não permitindo que a inflação brasileira se mantivesse no patamar considerado razoável do ponto de vista internacional, ao mesmo tempo em que apresenta dificuldades para a manutenção de um crescimento econômico de um país emergente como o Brasil.

Um artigo elaborado pela competente jornalista Claudia Safatle, diretora-adjunta da redação do Valor Econômico, faz um apanhado geral que merece ser examinado com profundidade por todos que se interessam pela economia brasileira e seus problemas. Além de preservar ainda uma inflação que gira atualmente em torno de 6% ao ano, não se conseguiu proporcionar condições para o controle fiscal do país, nem uma situação de suas contas externas que permita um crescimento razoável de uma economia emergente. Levou o artigo a ter o título “Um plano inacabado”. Dois dos que colaboraram para a sua elaboração, Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, expressa a preocupação da volta da inflação, e Pérsio Arida, um dos principais elaboradores do Plano Real, também registra seu ponto de vista sobre a necessidade de uma moeda para a modernização da economia brasileira. E o professor Delfim Netto mostra que ainda o problema reside na questão fiscal, ao mesmo tempo em que o setor exportador foi sucessivamente sacrificado.

O artigo de Claudia Safatle informa que o Plano Real não veio para resolver tudo, mas era um passo inicial. Acabou-se preservando parte da indexação, que transfere para o futuro uma inflação passada, fazendo com que a brasileira fique acima da que se alcança em outras economias, inclusive emergentes como a brasileira, ainda que tenha eliminado a hiperinflação. As receitas tributárias, principalmente dos Estados que se apropriavam dos efeitos inflacionários, deixaram questões fiscais para serem resolvidas, sem que reformas neste segmento fossem realizadas, ainda que tenha se estabelecida a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Privatizações de diversos setores que eram do governo ocorreram, mas nem todos foram totalmente transparentes, transferindo tensões sobre algumas tarifas sobre serviços. Para as supervisões sobre estas atividades foram criadas diversas agências que ficaram sujeitas aos interesses de empreendimentos que deveriam ser controlados.

O Banco Central acabou gastando parte das reservas internacionais para sustentar o câmbio administrado, visando ajudar no combate ao processo inflacionário, ao mesmo tempo em que inibia o setor exportador. A adequada coordenação, principalmente do setor monetário e fiscal, sempre foi um grande problema, acabando o rigor fiscal sendo flexibilizado para ajudar no desenvolvimento.

Ainda que tenha havido um período na economia mundial que ajudou na superação dos problemas externos, com os preços das exportações brasileiras em elevação, sem a prioridade para as exportações, o crescimento da economia brasileira acabou sendo sacrificado, principalmente no setor industrial sucateado por sucessivas contenções cambiais, problema que hoje se tornou crucial.

Todas as medidas que foram tomadas para a superação das dificuldades acabaram se tornando pontuais, sem que uma solução global fosse possível, tanto pela falta de um diagnóstico correto como pela falta de coragem para decisões mais duras, politicamente difíceis de serem tomadas.

Hoje, os incentivos para a sustentação do consumo acabam inibindo os investimentos, sem que a economia brasileira conte com condições para aumentar a sua eficiência, para se tornar competitiva com relação aos concorrentes internacionais.

Pérsio Arida enfatiza que o Plano Real era somente o início do que deveria ser completado por muitas outras medidas que não foram executadas posteriormente. Teria havido uma preferência por medidas desenvolvimentistas, tanto no governo Ernesto Geisel como nos posteriores incapazes de dar continuidade à modernização que seria necessária na economia brasileira.

Atualmente, quando dentro da perspectiva eleitoral e de nova mudança de governo, uma possibilidade seria a de retorno da influência de parte dos que contribuíram para a elaboração do Plano Real. Para que obtenha resultados expressivos, todos acabam entendendo que havia necessidade de uma política econômica mais rigorosa, tanto monetária, fiscal como cambial, que exigiria uma forte contenção por um período que não seria muito curto. As reformas que não foram efetuadas teriam que ser feitas, o que exigiria sacrifícios difíceis de serem explicitados politicamente numa campanha eleitoral.

Na entrevista concedida pelo professor Delfim Netto, ele continua apontando as limitações impostas à competitividade do setor exportado nos diversos períodos que se seguiram ao Plano Real, ainda que tenha sido genial no seu primeiro passo. Os meios hoje disponíveis não permitem facilmente que as expectativas inflacionárias sejam reduzidas, complicando as soluções possíveis.

No conjunto, ainda que seja mais fácil apontar as necessidades que não foram satisfeitas no passado, parece difícil se formular medidas que permitam hoje as correções indispensáveis, que exigem fortes ajustamentos difíceis de serem suportados politicamente, pois muitas acabam sendo amargas, exigindo acomodações em diversos segmentos. Na realidade, como em todas as sociedades, aspira-se que os sacrifícios sejam feitos pelos outros, com os benefícios concentrados nos segmentos que contam com o poder para as tomadas das decisões.



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