Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Filme Documentário Sobre Jia Zhang-ke

9 de setembro de 2015
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais e Notícias | Tags: , ,

clip_image002Um filme documentário do brasileiro Walter Salles, em parceria com o francês Jean-Michel Frodon, versa sobre o trabalho do consagrado diretor chinês Jia Zhang-ke, que vem se destacando por mostrar internacionalmente os efeitos negativos do rápido desenvolvimento econômico na China sobre os chineses nas últimas décadas.

Walter Salles e Jia Zhang-ke

Um dos trechos do filme que parece mais importante é quando o diretor chinês declara que suas viagens pelo exterior, com estadas longas nas cidades como New York ou Paris, permitiram que ele conhecesse melhor o seu próprio país e o povo chinês. Encontrei uma identidade desta afirmação com meu pensamento.

Quem conhece o Brasil fica com melhores perspectivas ao viajar pelo exterior, notadamente aos Estados Unidos, a China e a outros países com amplas dimensões geográficas que apresentam grandes diversidades étnicas, culturais e regionais. Muitos pensam que o chinês fala o mandarim, mas o cantonês, o pequenez e muitos dialetos são usados pelo povo, como utilizado por este diretor. No Brasil, muitos acreditam que o português é o idioma único, mas os camponeses de das regiões mais pobres não o entendem, havendo necessidade das autoridades até a usarem intérpretes locais. Pensa-se que o povo é predominantemente católico. Formalmente, podem se declarar católicos, mas as religiões afro-brasileiras e evangélicas das mais variadas orientações são as que acabam predominando neste Brasil, nas periferias das grandes cidades como em algumas regiões rurais. Nem sempre se consegue comunicar com um simples posseiro falando português, pois existem desconfianças que bloqueiam as comunicações.

Muitos pensam que a Amazônia é uma planície onde predomina o “rain forest”, mas não existe nenhum trecho de reta de 10 quilômetros nem na Transamazônica, metade de Roraima é de campos, os picos mais elevados como o da Neblina estão naquele Estado que fica no hemisfério norte onde as estações das chuvas são diversas de Manaus, havendo quedas de água de até 700 metros de altura. Poucos sabem que existia um país chamado Plácido de Castro, que foi absorvido pelo Brasil no acordo obtido pelo Barão de Rio Branco. E a população brasileira é condicionada por estes fatos, como acontece algo semelhante na China.

Conheci parte daquele país nos últimos 30 anos quando ocorreram as grandes mudanças que afetaram o povo com um desenvolvimento econômico rápido que sacrificou muitos chineses, ao mesmo tempo em que mudanças políticas significativas ocorreram e continuam ocorrendo depois da Revolução Cultural. Ruelas, como as mostradas por Jia Zhang-ke onde ele foi criado, foram derrubadas para dar lugar a grandes conjuntos habitacionais ou edifícios suntuosos, não somente em grandes metrópoles como Xangai ou Beijing.

Mesmo lendo-se alguns livros sobre a China só se conhece superficialmente aquele complexo país, com muitas etnias, culturas e diferenças regionais. Principalmente o que ocorre no seu meio rural e com os migrantes. As realidades chinesas são refletidas nos trabalhos de Jia Zhang-ke, que tem uma elevada sensibilidade para registrá-las com simplicidade. O desenvolvimento propiciou benefícios para muitos da sua população, cujo bem-estar não é equânime, havendo situações políticas diversas, que passa por acentuadas mudanças ao longo do tempo.

O que me impressionava na China é que muitos chineses, até ocupando posições destacadas, discutiam seus problemas com muita franqueza com estrangeiros como eu, como as destruições de tesouros relevantes para a sua história durante a Revolução Cultural. Apesar do comando central até hoje existente do Partido Comunista Chinês, observa-se algumas descentralizações dos poderes para as comunidades e autoridades locais, cujos interesses afetam a população mais diretamente. O que se observa é que as autoridades sempre foram consideradas opressoras, como também acontece nos confins do Brasil.

As obras como a da gigantesca hidroelétrica de Three Gorges referida no documentário copiaram muito da experiência brasileira com a construção de Itaipu, quando as Sete Quedas desapareceram sacrificadas. Em outras hidroelétricas como Sobradinho na Bahia também houve necessidade de grandes deslocamentos de populações, com a destruição de algumas cidades, que gerou grandes problemas para os habitantes locais, mas nada na escala chinesa. As novas hidroelétricas na Amazônia continuam afetando populações locais, entre eles muitos índios e suas reservas.

Um desenvolvimento muito acelerado nas últimas décadas na China impôs sacrifícios para muitos das populações mais modestas e isto é um problema universal. Continua acontecendo na Europa que possui responsabilidades sobre os migrantes que procuram fugir dos conflitos armados em seus países. Territórios ocupados por povos como os curdos ou armênios não foram respeitados e até países foram extintos com as guerras. As áreas ocupadas pelas tribos africanas não foram respeitadas pelas metrópoles europeias nos processos de descolonizações, gerando dramas como os atuais.

As mudanças para as correções dos erros passados são traumáticas para muitos das populações, notadamente para os membros mais modestos e idosos, como fica patente nos filmes de Jia Zhang-ke. Mas não se pode ficar protegido pelas muralhas, no mundo que continua evoluindo, mesmo que de formas muitas vezes desastrosas.

Encontrei na China algumas pessoas parecidas com Jia Zhang-ke, ainda que não fossem cineastas. Um foi um motorista de táxi que ficou trabalhando conosco numa empresa brasileira que tinha a filial em Beijing. Era o “quebra-galho” geral, conseguindo tudo que nós necessitávamos e muito nos ensinou sobre aquele país. Outro foi um professor que trabalhava como guia. Ele tinha aprendido o português em Macau e ajudou a minha família no interior da China, conseguindo que fôssemos onde não era usual para os estrangeiros. Um era diretor de uma importante estatal chinesa, intelectual que muito me ensinou sobre a China.

Sensações semelhantes tive ao assistir ao filme documentário e ler o livro sobre “O Mundo de Jia Zhang-ke”, pois ambos me ensinaram muito sobre aspectos da China nem sempre conhecidos no exterior. Foram sobre as famílias naquele país, as angústias do povo, as relações difíceis com as autoridades, a ampla diversidade e complexidade que muitas vezes é apresentado de forma simplificada, impedindo o conhecimento do que é realmente relevante.

Mas não se pense que isto é tudo que existe sobre a China, pois as bibliotecas como as formadas por Joseph Needham na Universidade de Cambridge podem acrescentar muitas outras facetas daquele País do Meio.



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