Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Chico Buarque Artista Brasileiro

2 de dezembro de 2015
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais e Notícias | Tags: ,

Fazer um documentário de rara felicidade como este é algo muito difícil, principalmente se o personagem é um ídolo nacional e internacional com tão ricas facetas que o público pensa saber quem ele é. Chico Buarque revelou uma capacidade excepcional adicional por aceitar sua participação neste trabalho somente concedendo longas entrevistas, sem se responsabilizar em nada mais sobre a sua feitura, que deixou para o seu amigo de longa data, Miguel Faria Jr. A elevada qualidade do documentário deve ser creditado a este diretor.

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Foto recente de Chico Buarque em Berlim, onde pode saber um pouco mais sobre o seu irmão alemão depois de intensa procura, constante do documentário

Conheci pessoalmente seu irmão Sergio Buarque de Hollanda Filho, que foi meu colega mais novo na FEA – Faculdade de Economia e Administração da USP. Quando era diretor do Banco Central responsável também pelo meio circulante, tive o privilégio de conhecer também o pai de Chico Buarque, professor Sergio Buarque de Hollanda. Ele foi consultor para a feitura de um papel moeda que incluía um mapa antigo do Brasil colonial, na casa onde morava toda a família no Pacaembu, nas proximidades da Avenida Angélica. Acompanhei a sua vida artística desde o seu começo como muitos brasileiros, mas confesso que à certa distância e o documentário revela para mim muitas ricas facetas para mim desconhecidas deste intelectual de raro talento e uma visão inteligente. Inegável a contribuição do seu pai na sua rica formação.

Convivemos um período conturbado do Brasil, eu que estudei e trabalhei na FEA-USP e Chico Buarque estudava na FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, também na Vila Buarque. Onde se desenrolaram os terríveis choques entre os estudantes da FFCL – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP que ficava em frente à Universidade Mackenzie, na Rua Maria Antônia. Os da FFCL eram considerados esquerdistas e os do Mackenzie tinham a fama de serem caçadores de comunistas, generalizações injustas, mas que eram verdade para alguns.

Minha esposa Eunice estudou ciências sociais na FFCL nesta época e tem também uma formação para melhor avaliação dos aspectos musicais que a minha. Sua concordância com a avaliação do documentário apresenta uma rara coincidência com a minha.

Acompanhei os surgimentos de muitos que ficaram consagrados como artistas brasileiros, tanto nos famosos festivais da Record, que foram palcos dos primeiros sucessos de Chico Buarque, como no Teatro de Arena, próximos das áreas efervescentes de um rico período cultural de São Paulo e do Brasil, com a ativa participação dos jovens da época.

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Chico Buarque com Nara Leão

Apesar das censuras e todas as restrições impostas pelas limitadas autoridades militares, que Chico Buarque releva que criava um clima desfavorável para sua criação musical de rara sensibilidade. Mas, nas superações das limitações, parece que surgiam oportunidades para o afloramento de muitos talentos, como ocorreu na época com outros artistas. Tanto que depois da conquista da atual liberdade, não se revelam talentos comparáveis, em minha modesta opinião.

Os jovens eram idealistas como sempre, mas se expressavam de formas diferentes. Chico Buarque informa que não era a favor do uso de armas como a maioria, mas não se pode negar as violências cometidas por alguns militares, como por outros jovens radicais, entre eles muitos meus amigos. Eu estava classificado entre os considerados esquerdistas, pois trabalhava com muitos marxistas, mas fui atuar com o governo em áreas relacionadas com regiões onde predominavam populações pobres ou pequenos produtores. Quando necessário, contrariava muitos militares de frente, assinando embaixo com todos os riscos evidentes. São períodos passados e os atuais desafios em pleno regime democrático são outros, não se observando engajamentos mais profundos como os da época.

O documento esclarece como é trabalhoso e solitário o processo de criação de Chico Buarque, sendo que na música existem outros a que se pode apresentar os esboços para serem melhorados. Mas na literatura é mais demorado e complexo, onde ele sente a separação de Marieta Severo, sua ex-esposa e mãe de seus filhos, que já dura 20 anos. Hoje, ele convive com seus netos, vendo neles desafios para ainda continuar até trabalhando com a música.

Compreende-se com o documentário que apresenta o melhor do ponto de vista musical, inclusive a interpretação de Chico Buarque que considera a Bossa Nova um movimento de uma parte da elite, ele que sempre preferiu temas mais populares. Mas não parece que havia uma divisão tão clara, como sempre, havendo muitas áreas comuns. E sua opção atual como escritor onde concentra seus esforços, para o qual se considera mais qualificado pelas muitas leituras de um intelectual que teve o privilégio de contar com uma rica roda de amigos que herdou do seu pai, bem como a vida em muitos países, notadamente na Europa.

O documentário é imperdível e de excepcional felicidade e mesmo longo não é cansativo, pelo contrário. Para as pessoas de minha geração, como com rara oportunidade Chico Buarque observa rindo quando cita a afirmação de jovens que “minha avó gostava muito de suas músicas”, fica-se com a impressão de que o que tem real qualidade é quase eterno. Como muitos trabalhos de autores e compositores que o antecederam, quando ele cita Noel Rosa, Pixinguinha e muitos outros que fazem parte do que há de melhor na cultura brasileira.



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