Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Ghosn na Polytechnique (4), na Michelin (5) e no Brasil (6)

7 de janeiro de 2017
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Economia, Editoriais e Notícias | Tags: , , ,

clip_image002O depoimento de Carlos Ghosn para o Nikkei Asiain Review é uma oportunidade para informar sobre o sistema de educação superior de alta qualidade na França ao mesmo tempo em que mostra como aparecem as primeiras oportunidades de emprego nos que possuem formação nas chamadas grandes écoles, que existem desde 1794, em plena Revolução Francesa.

Carlos Ghosn foi estudar numa grande école na França, onde o seu primo, oito anos mais velho, já tinha estudado. Foto do artigo do Nikkei Asian Review

O depoimento de Carlos Ghosn para o Nikkei Asian Review é uma oportunidade para esclarecer como se processa a educação superior de qualidade na França, por onde passam todos os que se tornarão empresários importantes, como funcionários públicos qualificados e até os dirigentes políticos daquele país, sendo que não se requer que seja necessariamente francês, como de antigas colônias francesas. Mas exigem concursos de ingresso, bons resultados nos cursos anteriores de preparação como faz o Liceu Saint Louis e recomendações, que acabam sendo importantes.

Ele informa que pretendia estudar no Hautes Études Commerciales, mas o exame dos seus dados dos cursos anteriores mostravam bons resultados em matemática, o que o recomendava para a École Polytechnique, focado em engenharia, que acabou fazendo a partir de 1974. Não se saiu bem de início, mas com afinco nos estudos acabou primeiro de sua classe. Os melhores classificados contam com a oportunidade de receber um salário visando a formação da elite. Como já observamos, a formação francesa é mais humanística, envolvendo palestras de todos os tipos. Muitos dos seus colegas foram para o serviço público, mas ele não estava interessado nesta carreira.

O que pode ser adicionado como comentário é que muitos países importantes contam com sistemas de preparo dos seus altos funcionários e as suas elites empresariais, como na França. Na China, havia sempre a formação dos seus mandarins, que na realidade administravam o país. No Japão, as universidades imperiais foram formadas para o preparo destes recursos humanos. Na Alemanha, a formação dos altos funcionários da área fazendária tinha este propósito, o que permitiu também o Brasil formar a sua escola fazendária com a colaboração alemã, apesar da restrição de alguns militares, como Ernesto Geisel, que se achavam preparados para tanto.

Ele tinha visitado com seus colegas os Estados Unidos, conhecendo o sistema universitário daquele país, cogitando a obtenção de um Ph.D. em ciências econômicas, como muitos brasileiros daquela geração. Mas surgiu um convite para trabalhar na Michelin para quem tinha ligações com o Brasil, o que não o interessou muito de início, pois o separava de Paris para a provinciana Clermont-Ferrand no centro do país.

No entanto, Carlos Ghosn afirma que a menção ao Brasil lhe provocou um impacto, pois, além de estar separado por 18 anos do país natal, seu pai e muitos parentes aqui viviam e os visitava com frequência. A ideia de trabalhar na sua pátria era uma perspectiva atraente. Na entrevista efetuada, ficou claro que a Michelin estava interessado nele, permitindo seu ingresso na empresa junto com 100 outros para um treinamento inicial.

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Carlos Ghosn se torna gerente da Michelin com 26 anos. Foto do artigo do Nikkei Asian Review

A empresa estava em expansão e interessado na participação dos jovens e suas sugestões para aperfeiçoamento do uso da borracha como matéria-prima e aperfeiçoamentos nos processos de produção e ele foi designado para a planta de Le Puy, chegando a gerente ainda quando tinha apenas 26 anos, como reconhecimento de sua integração na empresa. A Michelin era uma organização tradicional, mas também avançada em alguns aspectos e Carlos Ghosn tinha conseguido um bom desempenho. Era uma abertura devido a personalidade do neto do fundador, Francois Michelin, que o comandava e visitando a fábrica onde Ghosn atuava estava lhe oferecendo uma nova oportunidade.

François Michelin chamava a atenção pela sua altura física, mas era sofisticado, digno e educado. Ele foi nomeado coproprietário da Michelin em 1955 e ocupou a posição por 44 anos. Além de administrador da empresa da família, a globalização da Michelin se deve a sua perspicácia e habilidade. Ele lhe ofereceu a possibilidade de trabalhar no quartel-general da Michelin sob o comando de do CFO Behrouz Chahid Noural, onde teve duas experiências cruciais para a sua carreira. O primeiro foi o desenvolvimento da fabricação cruzada. A Michelin tinha adquirido o controle da Kleber-Colombes, um fabricante de pneus para automóveis, vans e equipamentos agrícolas que andava mal. Mas a Michelin não o abandonou, pelo contrário, começou a fabricar uma linha de produtos econômicos e a produzir na mesma linha as duas marcas. Outro ensinamento de Chahid Noural foi a adoção de técnicas de financiamento de vanguarda, incluindo as que permitiam otimizar os recursos.

Como é sabido, estas técnicas exigem uma precisão elevada, pois nem sempre é muito fácil produzir bens diferentes numa linha de produção, mas hoje é uma norma na indústria automobilística que produz diferentes modelos na mesma linha. As operações de financiamentos diferentes também exigem agilidade, principalmente quando ocorrem mudanças significativas com grande frequência.

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Carlos Ghosn na Amazônia, Brasil, em foto constante do artigo do Nikkei Asian Review

Sete anos após seu ingresso na Michelin, Ghosn foi enviado para o Brasil. Foi em 1985, quando tinha terminado o regime militar, mas, apesar da alegria de sua família, a economia não ia bem, com inflação elevada, situação financeira desagradável e a Michelin registrou também prejuízos, com o aumento de seu endividamento.

Ghosn considerava que o Brasil tinha potencial como país emergente, comparando-se à China, Rússia e Índia, e era produtor de borracha. Eles tinham adquirido duas áreas de seringais, mas havia congelamento de preços e reformas fortes tinham que ser efetuadas. Havia greve dos trabalhadores e, aconselhado a evitar se expor, ele foi ao seu encontro constatando que eles queriam o diálogo. Depois de três anos de turbulência, a situação se estabilizou, exigindo muito trabalho.

Ele recebeu a mensagem de François Michelin de que desejava visitar o Brasil, o que fez com sua esposa, percorrendo desde as plantações de borracha e todas as fábricas. Após a volta do casal à França, ele foi designado para um novo desafio: transferir-se para os Estados Unidos, um mercado desafiador e competitivo, o maior mercado da Michelin.

Não parece restar dúvidas que Carlos Ghosn aprendeu muito com suas atividades na Michelin globalizada, que certamente foram aproveitadas suas missões posteriores. Os leitores japoneses devem ficar admirados, pois é raro um profissional nipônico ter a agilidade para enfrentar situações tão diversas como as que ele enfrentou ao longo de sua carreira.



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