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Mudanças Radicais nas Vidas das Crianças Nikkeis no Brasil

5 de março de 2021
Por: Paulo Yokota | Seção: Editoriais e Notícias | Tags: , , , ,

Muitos imigrantes japoneses vieram para o Brasil nas décadas anteriores a da Segunda Guerra Mundial e seus filhos nasceram e foram criados nos anos seguintes, como os outros vindos de diversos países. O mundo mudou de forma substancial neste período, mas, para as crianças, elas foram mais radicais do que parece que se pudesse ser suposta naquela época. Minha família já residia em São Paulo, quando isto era menos frequente entre os nikkeis. imageMuitos permaneceram no interior, onde eles começaram trabalhando na cafeicultura e passaram para outras atividades rurais. Só se transferiram para São Paulo quando seus filhos necessitavam de escolas mais avançados que ofereciam mais alternativas que no interior de então.

Um desenho de Tomoo Handa, que consta do seu livro, mostra como era a Rua Conde Sarzenas e a esquina com a Rua Conselheiro Furtado, no bairro da Liberdade, em São Paulo de então

No clássico livro de Tomoo Handa, “O Imigrante Japonês – História de sua vida no Brasil”, 1987, São Paulo, há uma descrição que estes imigrantes japoneses se concentraram inicialmente no bairro da Liberdade entre 1910 a 1940, notadamente na Rua Conde de Sarzedas, onde os porões de algumas casas antigas serviam como hospedarias. Tanto minha irmã como eu nascemos quando meus pais por lá moravam, ainda que eu tenha nascido na Maternidade São Paulo, pois o ventre da minha mãe estava muito grande, supondo-se que poderiam ser gêmeos, pois o normal era nascer em casa com a ajuda de parteira e algumas amigas da futura mãe.

Nesta região da Liberdade, já havia uma escola primária de origem japonesa chamada Taisho (em homenagem ao imperador de então do Japão) desde cerca de 1915, bem como o beisebol era praticado nos campos que ocupavam terrenos da empresa Sudan, que produziam cigarros na chamada Baixada do Glicério. Além das hospedarias, já haviam alguns estabelecimentos comerciais, como pequenos restaurantes que atendiam aos poucos imigrantes japoneses nas suas necessidades básicas.

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Foto da Escola Primária Taisho, em torno de 1915, onde a primeira à esquerda na segunda fila aparece a professora Antonia, afro-brasileira que dava aulas de Português, constante do livro de Tomoo Handa

Alguns veteranos nikkeis informaram como era a vida nesta região. Entre eles, o doutor Teeichi Haga, que posteriormente se formou na Faculdade de Direito, tendo sido colega de Ulysses Guimarães. Ele morou em frente da escola primária Taisho, que frequentou e, apesar de sua ascendência, falava o Português sem nenhum sotaque. Ele teve uma professora de Português, chamada Antonia, que era afro-brasileira e conseguiu esta façanha.

Devido à guerra, os japoneses e seus descendentes ficaram proibidos de residirem a menos de 500 metros da Praça da Sé, que era considerado o centro de São Paulo, na década dos quarenta. Fomos obrigados, como muitos outros, a morar mais distantes, e muitos foram para a região de Vila Mariana, que apresentava facilidades de transporte para a região central da Capital paulista. Com o término do conflito com os países do Eixo, Alemanha, Itália e Japão, muitos imigrantes japoneses e seus descendentes voltaram a intensificar suas atividades nesta região da Liberdade e suas proximidades. Hoje, lá moram mais coreanos e chineses com seus descendentes do que nikkeis, apesar do bairro ser ainda conhecido como japonês.

A escola Taisho teve que mudar de nome durante a guerra, e sua localização nova era na Rua São Joaquim, onde atualmente funciona a Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa. Passou a se chamar Escola Piratininga, onde fiz o curso primário, tendo como responsável principal uma professora nikkei chamada Yoneka Nishie que havia estudado na conhecida Escola Caetano de Campos, feito o curso universitário na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, e um curso pós-graduado no Japão, antes da guerra. Este curso primário era exigente, chegando a ensinar noções de álgebra, bem como opcionalmente o idioma japonês, num sistema atualizado para a época, pois durante a guerra muitos estudavam clandestinamente usando livros anteriores ao conflito. Como eu tinha facilidade com a matemática, num período que não existia orientador educacional, achei erroneamente que isto era conveniente para atividades comerciais, e fui fazer um precário curso comercial básico, em vez do tradicional ginásio. Posteriormente, fiz o curso Técnico de Contabilidade, para depois cursar Economia na FEA – USP.

Quando fomos residir na Vila Mariana, por recomendação de um oficial do Exército da Salvação, começamos a participar da escola dominical da Igreja Metodista Livre que funcionava perto da nossa residência de então. Ela era de japoneses e seus descendentes e mesmo os jovens não sendo radicais do ponto de vista religioso, acabou por influir na minha formação, notadamente na execução de trabalhos com sentido social durante a vida.

Meu pai tinha uma alfaiataria, que inicialmente estava instalada na Rua Conselheiro Furtado, e depois passou para a Praça João Mendes. Bem cedo, comecei a ajudar a alfaiataria em algumas tarefas simples, e meu pai tinha muito interesse em beisebol, onde era anotador dos jogos, e ele escreveu um livro sobre o assunto publicado no Japão. Ele recebia muitos jornalistas, onde sempre havia um cafezinho amigo, e jornais e até revistas do exterior. As norte-americanas, como a Life, trouxeram as primeiras informações sobre o bombardeio atômico de Hiroshima, com fotos dramáticas das suas vítimas. Depois, estas fotos acabaram sendo censuradas pelos norte-americanos.

Como todas as matérias sobre o assunto tendem a ficar exageradamente extensas, as questões posteriores como cursos secundários, e os trabalhos executados até o ingresso na Universidade serão tratados em outros tópicos.



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