Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Tentando Olhar Alem do Próprio Umbigo Brasileiro

6 de julho de 2012
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia, Editoriais, Notícias, webtown | Tags: , , , | 2 Comentários »

pauloEste texto é uma versão mais longa e completa sobre o assunto que foi resumido no nosso artigo que foi gentilmente publicado pelo Valor Econômico no último dia 2 de julho diante da limitação do espaço disponível. Entendo que é perfeitamente compreensível que todos nós tendamos a nos preocupar com as coisas que cercam e afetam diretamente as nossas vidas, principalmente quando se vive num país continental da dimensão brasileira. Mas, no mundo globalizado, vivemos todos numa aldeia, com os meios de comunicação social nos transmitindo muito do que ocorre em todo o universo quase instantaneamente, e que acabam nos influenciando de forma inexorável.

Sempre é conveniente que julguemos os problemas que enfrentamos localmente de forma comparativa com os que afetam outros países igualmente, até para que não sejamos dominados por um sentimento incorreto de vítimas isoladas. Existem algumas economias que estão diante de questões mais graves e outras que estão superando os mesmos problemas de formas adequadas, dentro das suas limitações que diferem a cada caso. Não se trata só de problemas econômicos, mas sociais condicionadas pelas suas histórias e culturas, dentro do quadro político em que estão inseridos. Muitos analistas se esquecem das limitações políticas de quem está no poder.

Dois artigos recentemente publicados por personalidades experientes ajudam a meditar sobre alguns destes problemas, ainda que de forma resumida mesmo neste texto. Um do R. Daniel Kelemen, doutorado em Stanford em ciência política, professor desta especialidade e atual diretor do Centro para Estudos Europeus da Universidade Rutgers, dos Estados Unidos. Ele se encontra na íntegra no site do Foreign Affairs, e que tem o título “O Novo Normal da Europa” (Europe’s New Normal) e mostra que vivemos na atual situação econômica instável que pode melhorar rapidamente ou voltar-se à direção dramática de uma piora. Sua leitura completa seria de alto interesse para todos, pois muitos detalhes importantes não podem ser tratados nestas notas. O autor ocupou outras posições acadêmicas importantes, tendo muitos livros publicados sobre a Europa.

Outro artigo interessante é de Noeleen Heyzer, doutorada em ciências sociais em Cambridge, que é subsecretária geral das Nações Unidas, secretária executiva da Comissão Econômica e Social para Ásia e o Pacífico, que publicou o artigo “Economias Asiáticas sob Prova” (Shock-Proofing Asia’s Economies). Este trabalho está integralmente no site do Project Syndicate, mostrando que atual situação “novo normal” de incertezas e volatilidades da economia global cria um turbulento ambiente externo para o crescimento da região Ásia-Pacífico em 2012. Mas os resultados na Ásia devem ser melhores que no resto do mundo. Seu artigo também merece uma leitura atenta, e vai muito além do resumo que está sendo apresentado neste texto. Ela também tem uma longa experiência de atuação em diversos organismos internacionais.

Kelemen mostra que os problemas atuais, como os da Grécia, semelhantes de outros países europeus, deixam os cidadãos, investidores e formuladores de políticas econômicas inseguros e não podem ser resolvidos rapidamente como uma mágica. Ele entende que a Europa não está à beira do colapso, manter-se-á unida com elevado custo, mas a sua recuperação exigirá muito tempo, tanto com a saída da Grécia do euro, como se ela receber ajuda do resto da Comunidade permanecendo nela. Ainda que alguns economistas entendam que a periferia da Europa poderia abandonar o euro, a sua opinião é que esta opção seria equivalente a um suicídio, provocando um colapso no sistema bancário e todas as suas consequências políticas.

O autor entende que os problemas dos países do sul da Europa são estruturais e antecedem à criação do euro. A Alemanha foi a principal beneficiária da criação da moeda comum e seria arrasada com a sua eliminação diante da extensão dos seus relacionamentos comerciais e bancários. Muitas reformas poderiam melhorar a situação presente, mas nenhuma seria uma panaceia.

O problema principal é a massiva acumulação de dívidas dos países periféricos que foi acelerada com as facilidades de crédito da década passada. Um volume tremendo de capitais foi transferido para países como a Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália. Ele gerou o crescimento destes países e elevou os seus salários, deixando-os sem competitividade e com débitos monstruosos. As insolvências se tornaram os “novos normais”.

A adequada governança veio sendo tentada por diversas formas. Qualquer união monetária onde os países mantêm a autonomia de tributação, dispêndios e contração de empréstimos são problemáticos, e foram tentadas as regulamentações no Pacto de Crescimento e Estabilidade, como cláusula do Tratado de Maastrich. Nunca foi obedecido, e tentaram o Mecanismo Europeu de Estabilidade para este verão europeu, que foi assinado por 25 países, mas foi flexibilizado para ajudar a Grécia.

Alguns analistas entendem que o problema só pode ser resolvido com uma verdadeira federalização, onde os efeitos monetários e comerciais possam ser compensados por substanciais transferências de recursos utilizados e mecanismos fiscais, como ocorrem nas federações.

Outro problema estrutural da Comunidade é o Banco Central Europeu, legalmente proibido de adquirir qualquer débito dos países membros, mas ele está sendo obrigado a adquirir bônus de diversos países, com a introdução de flexibilidades sobre as normas estabelecidas. Segundo o autor, as atuais tentativas de austeridade dos alemães se aproximam das regras de governança desejáveis, e poderiam resultar em progressos lentos, mas pelo que se observa não são aceitas pelas populações, como expressos nos resultados eleitorais.

Com o Banco Central Europeu admitindo que seja o emprestador de última estância, e necessita agir diante dos riscos do sistema bancário, que podem afetar o mundo todo como já ocorreu em 2008, alguns analistas admitem que já houve um primeiro avanço.

No que se refere à Ásia, no artigo de Noeleen Heyzer, informa-se que eles estão conscientes dos impactos do “novo normal” da economia global na região. Foram incluídos no relatório das Nações Unidos para 2012, na Pesquisa Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico. Devem reduzir o crescimento de 2012 sobre o que foi obtido em 2011, tanto pela elevação dos custos de capital como pelas perdas decorrentes das políticas monetárias e protecionistas de alguns países desenvolvidos.

Mas acreditam que o crescimento da região continuará acima da média mundial, continuando a desempenhar um papel de polo dinâmico da economia mundial. As relações Sul-Sul devem se estender pela África e pela América Latina, reduzindo ainda mais a dependência do baixo crescimento das economias desenvolvidas.

Mesmo com uma redução do crescimento da China e da Índia, ele ainda continua alto e alguns outros países do Sudeste Asiático, como a Tailândia e a Indonésia, devem ajudar regionalmente, além de se registrar uma redução da pressão inflacionária nesta parte do mundo.

O risco de uma desordenada solução para os riscos soberanos dos países europeus é considerado como uma possibilidade, e a que mais pode afetar a região asiática. Isto poderia reduzir em cerca de 10% suas exportações anuais, com perda de cerca de US$ 390 bilhões. Isto impactaria em redução de 1,3% do crescimento regional em 2012, reduzindo em 22 milhões de habitantes que deixariam a faixa da pobreza absoluta, que é definida como renda de US$ 2,00 por dia.

Outro desafio seria a volatilidade dos preços das commodities e perda de sua tendência de longo prazo. Isto também está sendo considerado como “novo normal”, exigindo que a economia regional se adapte à nova situação. Os países mais pobres da região devem resistir ao impulso no sentido da redução da especialização em commodities. Eles necessitam considerar a industrialização, diversificação e a criação de novas capacidades produtivas.

Outro aspecto considerado como um passo do “shock-proofing” nas economias asiáticas é o problema da redução do desemprego e redução das desigualdades. Um gradual processo de reequilíbrio apoiado na expansão do mercado interno precisa ser considerado, segundo a autora. Também o equilíbrio entre o crescimento e as pressões inflacionárias, não somente com medidas monetárias como o controle dos fluxos de capital, especialmente os débitos de curto prazo, além dos problemas de câmbio e desastres naturais que passam a ser considerados como do “novo normal”.

A autora considera que a atual crise de turbulência e incerteza está atingindo a Ásia num período do seu crescimento econômico, permitindo que existam espaços para manobras fiscais, com o aumento da cooperação dentro da região.

Estas considerações mostram que muitas das preocupações brasileiras são comuns com as de outros países. Como as autoridades brasileiras procuram se antecipar com medidas pontuais, agora complementadas pelas aquisições governamentais de produtos fabricados no Brasil, mesmo nos seus componentes, ampliando substancialmente o financiamento para a agricultura, continuando a baixar os juros reais.

Pode-se acrescentar que a América Latina também vai se complicando com as suas dificuldades e algumas tendências populistas no campo político, havendo maiores dificuldades para a ampliação da cooperação regional, que vai continuar a ser tentada em todo o mundo.

Seria desejável que as medidas brasileiras estejam dentro de uma estratégia mais ampla, que precisa ser informada adequadamente, tanto para o mercado interno como para os operadores internacionais, notadamente pelo Banco Central do Brasil, procurando maior adesão de outros segmentos que se sentem excluídos dos esforços que estão efetuados.