Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Senhores de Reinos em Guerra: a Pacificação

15 de dezembro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, webtown | Tags: arte namban, cristianismo no Japão feudal, Light and Shadows in Namban Art - Suntory Museum of Art - Editora Nikkei Inc.-2011/2012, Oda Nobunaga.

“Nakanu nara koroshite shimae, hototogisu” (senryu anônimo)

(Não quer cantar? Matem-no duma vez, infeliz rouxinol).

Estes versos senryu (haikai de cunho satírico) referentes à pessoa de Oda Nobunaga (1534-1582) serviram, ao longo dos tempos no Japão, para exemplificar a personalidade brutal e sanguinária do daimyô (senhor feudal). Filho de governador militar de Owari-no-Kuni (atual região da província de Aichi, castelo de Nagoya), Nobunaga se sobressai, em meio a lutas sangrentas, dentre os pares de seu clã e de feudos vizinhos, fortalecendo-se como poderoso chefe militar a partir dos anos 1560 – quando o país estava mergulhado em disputas por terras e pelo poder: Sengoku jidai, era de reinos em guerra, de instabilidade social, intrigas políticas e conflitos militares.

O enfraquecimento do bakufu (governo central) e a ascensão de daimyôs, grandes proprietários de terras, fizeram que estes aspirassem à centralização do poder. Faziam-se alianças e conluios, traições e vinganças ocorriam até no seio de famílias do mesmo clã. Os vencidos tinham seus castelos incendiados com todos dentro, vassalos e herdeiros dizimados. Hábil estadista e estrategista militar, adepto de modernos armamentos bélicos (lanças de longo alcance e armas de fogo negociadas com europeus), Nobunaga inovou a cultura marcial japonesa; redistribuía terras conquistadas entre seus vassalos fiéis para que estes fiscalizassem os menos fiéis; abafava dura e cruelmente qualquer tentativa de sublevação, e consolidou sua posição de soberano supremo, estabelecendo-se em Nagoya, e depois em Quioto – construiu o vasto e suntuoso castelo de Azuchi, à beira do lago Biwa (atual província de Shiga), testemunhado por missionários europeus como edificação de luxo e pompa jamais vista (após a queda de Nobunaga, o castelo seria incendiado e vandalizado).

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Retrato dos unificadores Nobunaga, Hideyoshi e Ieyasu

A despeito de seu despotismo e megalomania, Nobunaga foi líder de grande visão para a época: abriu o país para influências de outras nações; modernizou a economia até então baseada apenas na agricultura, incentivando a manufatura e o livre comércio; aboliu monopólios e guildas (associações fechadas e exclusivas de comerciantes). Fez construir estradas ligando vilarejos que surgiam ao redor dos castelos, e que também facilitaram a movimentação das tropas militares. Seu exército era dos mais avançados do mundo. Tal Luis XIV, rei da França (1643-1715), que teria declarado “O Estado sou eu”, o selo de Nobunaga trazia a inscrição “tenka fubu”, algo como “poder militar total sobre a terra”.

Entusiasta da arte e cultura estrangeiras, expandiu o intercâmbio internacional para além da Coreia e da China, com os namban jins, “bárbaros do sul”: Filipinas, Indonésia, Sião (Tailândia), e Europa (portugueses, espanhóis e holandeses). Numa época em que o budismo ganhava cada vez mais poder, interferindo na política por vezes, Nobunaga achou oportuna a vinda de jesuítas portugueses. Embora os portugueses estivessem interessados mais no comércio e na catequização, houve intensa troca cultural. Artistas japoneses, fascinados com a técnica da pintura ocidental, começaram a criar um estilo que se chamou namban shiki, enquanto portugueses se maravilhavam com a técnica makiê, pintura em pó de ouro e prata sobre laca. Nobunaga patrocinou a abertura de estúdios e seminários de pintura (como a Gagaku-sha, Nagasaki) em que mestres da escola Kanô absorveram técnicas portuguesas e as transmitiram para artistas japoneses, e pintores como o italiano Giovanni Niccolo treinou japoneses na produção de pinturas sacras cristãs. Certamente, a contribuição portuguesa e europeia inovou a cultura artística japonesa até então influenciada pelos chineses.

Nobunaga se empenhou também na construção da primeira igreja cristã em Quioto, em 1576, dedicada a Nossa Senhora de Assunção. Embora ele próprio não tenha se convertido, adotou nome cristão, Jeronimus. Algumas damas da corte se tornaram fervorosas devotas cristãs e influenciaram muitas conversões entre a aristocracia, como Hossokawa Gracia (1563-1600), filha de Akechi Mitsuhide, ambicioso general a serviço de Nobunaga. Em 1582, movido por ambição e intrigas políticas, Mitsuhide se sublevou contra Nobunaga e em emboscada no templo Honnô-ji, Quioto, o encurralou e a seu filho primogênito Nobutada. Para não morrer em mãos traiçoeiras e para salvar a honra, Nobunaga mata seu filho e comete suicídio (seppuku). Mitsuhide se intitula comandante-em-chefe dos exércitos e toma o lugar de Nobunaga. Mas em menos de um mês é caçado e morto pelo fiel general de Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi, também natural de Owari-no-Kuni, e que tinha seus domínios em Momoyama, perto de Quioto.

Toyotomi Hideyoshi se torna novo senhor das províncias e tentará terminar a pacificação e unificação ambicionada e não completada por Nobunaga. Estabelecerá seu governo (1582-1598) em Osaka, no belo castelo que construiu. Astuto, resoluto e imprevisível, seu governo não se fará tão pacificamente: missionários jesuítas e franciscanos serão banidos do Japão, e novos cristãos japoneses serão atrozmente caçados e mortos. Muitos serão forçados a cometer seppuku por motivos mínimos, como o conselheiro e mestre de chá Sen no Rikyu – que Nobunaga tinha introduzido na Corte para promover a antiga tradição chinesa do cerimonial do chá. Desconfiando de intenção de conquistas militares pelos ocidentais, fechará os portos do Japão para o comércio namban. A reunificação do Japão só será completada por Tokugawa Ieyasu, terceiro daimyô do Período Azuchi-Momoyama (1573-1603), e fundador da longa dinastia Tokugawa (Período Edo, 1603-1868), com a capital já em Edo, Tóquio.