Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Refúgio Nas Religiões

15 de abril de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: China, ideologias, religiões | 4 Comentários »

O jornalista John Pomfret, em Caminhos da China, Ed. Landiscape relata que os jovens universitários chineses na década de 1980 desconfiavam de qualquer tipo de fé: eles estavam saindo de uma doutrinação radical cujo culto fora a Revolução Cultural. Mas depois da abertura pós-Deng Xiaoping, seguida por nova e dura repressão após 4 de junho de 1989 (Tiananmen), já não sabiam em que acreditar. A sociedade chinesa perdia suas referências espirituais. E invejavam agora aqueles que tinham uma fé.

O colapso do comunismo como ideologia levou milhões de chineses a procurarem algo em que se apoiar. Cada vez mais os chineses se voltavam para cultivar o nacionalismo, ou alguma religião. Muitos faziam as adorações escondidos, pois a repressão do governo era severa a qualquer culto sem a autorização do partido.

Templos se enchiam de devotos. Mas no campo da fé da nova China, o cristianismo era o que mais crescia, principalmente o evangelismo protestante. Até mesmo em comunidades de imigrantes e exilados políticos de chineses continentais e taiwaneses nos Estados Unidos, o evangelismo parecia trazer de volta a devoção inabalável que um dia eles tinham sido forçados a assimilar do marxismo-leninismo e do pensamento maoísta. Os chineses chamavam-na religião da “tigela do arroz”, pois nos cultos eram recebidos com calor e comida.

Olhando um passado mais remoto, pelos anos 1600, missões jesuítas italianas lideradas pelo padre Matteo Ricci se estabeleceram em Beijing e, devido ao conhecimento de ciências como a astronomia e cartografia, atraíram a simpatia de eruditos chineses. Com o tempo, uma “controvérsia de ritos” envolvendo franciscanos, dominicanos e jesuítas fez o Papa intervir e o opôs ao imperador da China. Houve uma espécie de “autodestruição” da missão católica na China, que resultou no banimento do cristianismo, ao redor de 1720 (John King Fairbank / Merle Goldman, China – A New History, Harvard University Press – 2006).

No Japão feudal, os católicos foram considerados uma ameaça maior – o xogunato estava ciente que Colombo provinha de nação católica, povos do Novo Mundo tinham sido cruelmente explorados ou exterminados por conquistadores. E também que a Igreja Católica tinha até o seu Estado, o Vaticano, o que subentendia um poder político ameaçador à autoridade do xogunato. Por volta de 1640, a implacável repressão aos cristãos tinha sido completa. Os japoneses foram, desde então, obrigados a se registrar em templos budistas para provar que não eram cristãos (Kenneth G. Henshall, A History of Japan – from stone age to superpower, Palgrave MacMillan, 2008).

À rendição do Japão em 1945, seguiu-se um fenômeno parecido com o que aconteceria na China na década de 1980-1990: um profundo vazio moral e perda de referência de valores se abateram sobre os japoneses. Além de terem de “suportar o insuportável”, eles tiveram que aceitar a “humanização” do imperador até então considerado “divino” pelos súditos. Orgulho abalado, frustração profunda, abatimento moral. O xintoísmo, que desde a Era Meiji era a religião oficial do Japão e da casa imperial, já não parecia prover consolo espiritual. Além do budismo, seitas antigas e novas começaram a se fortalecer e florescer. O cristianismo, particularmente o evangelismo protestante, receberia milhares de devotos.

A diferença não é a religião, mas sim a fé que, se não move montanhas, é o leme que equilibra e redireciona o barco quando a embarcação está a soçobrar em mares incertos e hostis – qualquer que seja o credo ou a religião.


4 Comentários para “Refúgio Nas Religiões”

  1. Vinicius
    1  escreveu às 19:51 em 15 de abril de 2010:

    Eu não vejo com bons olhos a expansão do cristianismo na China, mais de 5000 anos de conhecimento podem vir a ser destruidos por cristãos fundamentalistas, ou chineses que queiram se transformar em martires em prol da propagação de sua fé. O cristianismo foi para Roma o que o islamismo é hoje pra o ocidente. Uma crença que no início te conforta esse conforto te faz ser devoto dessa fé “institucionalizada”, te faz querer ser sempre servil e agradecido, de forma a engrandesser sua comunidade. Uma hora junta “a fome com a vontade de comer” e a crença se corrompe. Mesmo assim há aqueles que continuaram a ter FÉ ( a genuína, não a genérica que se vende a cada esquina em troca de exclusividade e agradecimento monetário).

    Apesar do Japão ter perdido a guerra, e o xintoismo ter sido fragilizado com a declaração do imperador. O cristianismo, acredito Eu, não conseguiu a expansão que gostaria de ter tido, pois tanto o Xinto como o budismo e seus derivados continuam sendo a base da fé de mais de 90% dos japoneses.
    Portanto para mim o cristianismo foi um fiasco no Japão, onde apenas 1,5% são cristãos. Já na Coréia do Sul é uma OUTRA história; onde cerca de 50% da populção é cristã. Segundo li em algumas reportagens a conversão foi como forma de agradecimento e reconhecimento de superioridade dos ocidentais, por causa da religião deles. “Ridículo eu sei”!!!

    Mas será que os japoneses mantiveram sua tradição espiritual em respeito e apoio ao Imperador? Porque o mais correto seria que os americanos condenassem o imperador à morte por crimes de guerra, assim como Hittler e Mussolini seriam julgados e condenados.
    O Imprador Showa perdeu a guerra, mas não a majestade!!! E isso foi o suficiente pro povo não ter virado as costas pro seu descendente direto de Amaterasu.

    PS.: Apesar de que, se os americanos matam o imperador, ia ser uma confusão “dos diabos” naquele arquipélago. Com certeza eles teria que jogar mais umas bombas.

  2. Paulo Yokota
    2  escreveu às 08:34 em 16 de abril de 2010:

    Caro Vinicius,

    Obrigado pelos seus comentários. Um texto envolvendo religiões sempre é polêmico. No Japão as tentativas dos jesuitas, como se sabe, começou ainda no sécuo XVI e o conflito com o xogunato resultou em muitas cruxificações. Mesmo não sendo um país católico e cristão, o número de santos japoneses é elevado. Antes da Segunda Guerra Mundial correntes protestantes já tinham adeptos naquele país, pois as tentativas foram em toda a Ásia, China, Coreia como no Japão.

    Quanto ao problema do imperador, os norte-americanos estudaram profundamente o Japão durante a Guerra, como o que resultou no clássico de antropologia da Ruth Benedict, “O Crisântemo e a Espada”. Avaliaram que seria mais conveniente preservar o símbolo, retirando o sentido que tinha antes. E ajudaram a recuperação do país, com o Plano Marshall que os aliados, inclusive o Brasil, ajudou, como fizeram com a Alemanha e a Itália. A Guerra da Coreia, também, ajudou muito o Japão.

    Agora, outros países asiáticos, ganham projeção internacional, mudando o quadro geral. Não se trata somente da China, da Coreia e do Japão, como a Índia e pequenos países como o Vietnam e todos os componentes do ASEAN.

    O que vejo de interessante no Budismo/Xintoismo é que não são religiões que, regra geral, confrontam com os demais. Eu que militei no ecumenismo, sou a favor dos que evitam conflitos com as outras, pois estou consciente que em nome de muitas religiões foram cometidas muitas barbariedades. Como também acontece com as ideologias.

    Paulo Yokota

  3. Jurace de carvalho
    3  escreveu às 08:18 em 15 de abril de 2011:

    Prá falar verdade as pessoas gostam disto

  4. Paulo Yokota
    4  escreveu às 08:32 em 15 de abril de 2011:

    Cara Jurace de Carvalho,

    Obrigado pela observação.

    Paulo Yokota