Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Modestos Paralelos com “Laowai” de Sônia Bridi

23 de janeiro de 2014
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais, Notícias | Tags: modestos paralelos, o livro de Sônia Bridi Laowai, relatos da experiência de vida de uma correspondente da TV Globo na China

Apesar dos meus interesses sobre as experiências de vida de estrangeiros na China, principalmente de brasileiros, só tive conhecimento do livro “Laowai”, de Sônia Bridi, que relata a sua experiência muito tardiamente, ao encontrá-lo por acaso numa livraria em São Paulo, já na sua 6ª edição, de 2008, publicado pela Editora Letras Brasileiras de Florianópolis. Ela foi morar em Beijing em 2005 para lá se instalar como a primeira correspondente da TV Globo para a Ásia, na companhia do seu marido Paulo Zero, mais experiente em coberturas jornalísticas no exterior, que lhe dava também o respaldo técnico para as transmissões para o Brasil, além de cuidar da fotografia e filmagens. Ela estava na China acompanhada de um filho de três anos, o Pedro. Ela ficou instalada na China por dois anos, sofrendo os problemas do cotidiano de uma jornalista estrangeira num país muito diferente, conhecendo o país, experimentando sua rica culinária, tendo que enfrentar a sua burocracia para efetuar as reportagens agendadas. Ela já tinha experiências internacionais em Londres e Nova Iorque, tendo efetuado algumas reportagens anteriores na China para cobrir viagens do presidente brasileiro naquele país. No livro, ela cita a sua rica experiência de se instalar oficialmente naquele país tão estranho, com uma cultura bem diferente da Ocidental.

Minhas modestas experiências na China são um pouco anteriores, de 1986, com a instalação de um escritório de uma trading brasileira na mesma cidade de Beijing, que tinha menores complicações que as instalações de uma correspondente de TV. Ao mesmo tempo em que eu supervisionava escritórios instalados em Cingapura, Kuala Lumpur, Seul e Tóquio, que tinha ajudado a instalar também. Minha experiência anterior de vida era de um ano em Tóquio com a família, mas falando o idioma local, ainda que não perfeitamente. Também aproveitei para conhecer a China com a família, com algumas viagens pelo seu interior, inclusive com objetivos turísticos.

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Beijing, Praça Tiananmen, Cidade Proibida e Muralha da China

Com um pouco mais de experiência sobre a Ásia, sabia que nos relacionamentos com os asiáticos haveria grandes problemas de interpretação, pois, além das estruturas dos idiomas serem totalmente diferentes com os que possuem raízes no Latim, as formas de entenderem as questões são radicalmente discrepantes. É comum muitos ocidentais pensarem que os pensamentos podem ser traduzidos facilmente em culturas diferentes.

A autora relata as dificuldades de se instalar com a família em Beijing, apesar da ajuda dos diplomatas e outros brasileiros já instalados na China, bem como toda a burocracia para conseguir as autorizações para a residência, licença para trabalho bem como a simples abertura de uma conta bancária, além dos pagamentos em dinheiro de todos os compromissos do cotidiano. O que impressiona no seu relato é que como jornalista internacional não tenha adotado a máxima como a de “em Roma, como os romanos”, não se conformando com as exigências dos chineses.

Muitas das dificuldades relatadas foram contornadas no nosso caso com a ajuda de um taxista chinês, escolhido no aeroporto, que se mostrava mais hábil para resolver todos os pequenos problemas. Esta figura que no Brasil chama-se de “quebra-galho” também existe em Portugal de onde herdamos todas as burocracias, onde se chama de “Zezinho”, bem como na China. Tivemos muita sorte porque ele era esperto, conseguindo o telefone que precisávamos, como o telex usado na época, a ponto de poder prestar o favor para uma corporação chinesa que tinha sido criada para comercializar com a América do Sul, conseguindo-lhes um telefone que eles não obtinham.

As corporações encarregadas de fornecerem recursos humanos para empresas estrangeiras só designavam burocratas pouco eficientes que tinham a fama de exercerem também papéis de espionagem. Como na maioria dos países estrangeiros, sem um esquema de cooperação com uma organização local, que no caso eram corporações especializadas em setores da economia, não havia como conseguir acesso aos centros de decisões do governo, sem o que não se conseguia nada, o que não é uma particularidade da China.

Atuando em diversos países asiáticos, notava-se as diferenças culturais que se diferenciavam por país, inclusive no comércio internacional ou nos relacionamentos com as pessoas, tanto de autoridades como comerciantes, estes mais ágeis nestes negócios.

Em diversos países, ainda que o tempo fosse considerado dinheiro, sempre havia um processo de conhecimento da psicologia dos interlocutores. Eram comuns os convites para no mínimo um dia de turismo à Muralha da China ou outra atração turística conhecida, desculpa para a análise que permitia o conhecimento da personalidade do parceiro dos entendimentos.

No caso dos japoneses, num jantar que parece descontraído na companhia de gueixas ou assemelhadas, que são especialistas em gente, os convidados eram analisados profundamente melhor do que por um psicólogo. Algo semelhante ocorre em países do Sudeste Asiático.

Um princípio citado superficialmente pela autora é fundamental na Ásia, onde, nas negociações mais duras, a ofensa mais grave é deixar o interlocutor na situação em que ele perde a face, deixando-o encurralado. Também é preciso considerar o relacionamento de longo prazo, onde pode não ser relevante uma vantagem obtida numa operação, mas a soma do que se consegue ao longo do tempo.

O que parece também importante é que a palavra impossível não deve ser considerada. Sempre, com tempo e habilidade, com compensações adequadas, os obstáculos podem ser transpostos. Não há conveniência em subestimar os chineses, com a arrogância ocidental de tender a pensar que somos mais dotados, pois muitos deles são pacientes para obterem suas vantagens dissimulando serem mais frágeis.

É comum entre os asiáticos transmitirem aos estrangeiros que não entendem seus idiomas, utilizando interpretes que lhes dão o tempo necessário para examinarem mentalmente muitas alternativas, ou efetuarem cálculos do conjunto de vantagens que podem ser obtidos.

Em muitas negociações com os asiáticos os brasileiros podiam utilizar as diferenças de fusos horários. Assim, trabalhando na Ásia o dia todo, no seu final os negócios podiam ser transmitidos para o Brasil, que estava iniciando o seu expediente. Com as equipes brasileiras trabalhando todo o dia, avanços podiam ser transmitidos para a Ásia no início do expediente local, enquanto os interlocutores locais dificilmente teriam trabalhado a noite toda.

Portanto, como ensinam os chineses, sempre havia possibilidade de tirar partido das vantagens e desvantagens, pois os numerosos chineses tendiam a conseguir informações globais de diversas partes do mundo, mais facilmente que os brasileiros.