Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Parte de Minhas Experiências com os Militares

1 de março de 2021
Por: Paulo Yokota | Seção: Editoriais e Notícias | Tags: , , , ,

Como todos os profissionais nas mais variadas atividades, os militares apresentam aspectos positivos e limitações. Foram treinados para serem disciplinados, a hierarquia é um princípio fundamental para eles e muitos se adaptam aos bons convívios com os civis, mas poucos apresentam também suas naturais dificuldades.

Meu contato com eles começou no CPOR – Centro de Preparo dos Oficiais da Reserva, que os estudantes universitários podiam contar como alternativa aos serviços militares comuns, em torno de 1960. Como economista, a tendência natural era optar pelo serviço de intendência, em contraposição as chamadas armas, como infantaria, artilharia e cavalaria. No estágio para me tornar um oficial da reserva, fui designado para uma unidade de artilharia, o G Can 90 mm, que se localiza em Quitaúna, próximo à Capital paulista. Era uma unidade equipada para transporte rápido, com material militar herdado dos norte-americanos que o utilizaram na Segunda Guerra Mundial e era adequado para o Brasil de então.

O primeiro episódio marcante nestes contatos foi a advertência que recebi do subcomandante daquela unidade, responsável pela disciplina, por ter discutido com alguns oficiais sobre a Petrobras. Ele mostrou-me um boletim do Estado Maior do Exército que, para ele, apresentava verdades indiscutíveis. A versão que se aprendia na universidade ou nos meios de comunicação social não seria a correta, não cabendo qualquer discussão sobre o assunto. Depois de 1964, constatei que naquela unidade militar havia o maior agrupamento dos que poderiam ser considerados subversivos em São Paulo por não concordarem com os autoritários de então, mas se mantinham ocultos.

A curta experiência no G Can 90 mm levou-me a participar de operações militares reais. O Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo tinha se revoltado contra o governador Carvalho Pinto e em poucas horas as tropas federais tinham se deslocado de Quitaúna para Campos Elíseos, na Capital, para proteger o governador que assim tinha solicitado. Tempos depois, participei de um exercício de tiro real no litoral paulista, que seria observado pelo general Costa e Silva, futuro presidente que clip_image002comandava a 2ª Região Militar. A unidade tinha se deslocado para lá sob intensa chuva, onde as estradas não resistiram aos equipamentos pesados daquela unidade. Eu desempenhava o papel de oficial de transportes para cerrar a fila dos veículos, alguns deles com problemas mecânicos.

Palácio Campos Elíseos era ocupado normalmente pelo governo Carvalho Pinto e foi protegido pelo G Can 90 mm no levante do Corpo de Bombeiros do Estado de então

Desde a universidade, eu mantinha um estreito contato com o professor Delfim Netto e fui trabalhar na CIBPU – Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai, para depois passar a ser professor instrutor na FEA – USP. Numa oportunidade, fui designado por ele para ajudar o comandante do II Exército que ia fazer uma palestra numa unidade militar. Com o rascunho preparado, fui discutir com ele a apresentação e ele, modestamente, perguntou-me se poderia incluir um verso seu na palestra, ao que respondi que a palestra era dele, podendo fazer o que lhe aprouvesse.

Com a implantação do regime autoritário no Brasil em 1964, foram intensificados os intercâmbios dos civis com os militares. O primeiro governo foi comandado pelo general Castello Branco, que tinha participado da campanha da FEB – Força Expedicionária Brasileira. Lá na Itália, um grupo de brasileiros aprendeu a aspirar à democracia, mas outros militares e civis se contrapunham a ele.

Na época, o nosso intercâmbio com membros do governo era mais profundo na área econômica, através dos ministros Gouveia de Bulhões, da Fazenda, e de Roberto Campos, do Planejamento. O general Costa e Silva tinha uma forte influência na chamada tropa, que se concentrava na Vila Militar, no Rio de Janeiro, e ele acabou sendo escolhido para presidente na sucessão do Castello Branco. Na preparação do novo governo, Delfim Netto fez uma palestra sobre o café, que era um dos assuntos de sua especialidade. Ele saiu do evento com a impressão que poderia se tornar o ministro da Indústria e Comércio, mas foi surpreendido ao ser designado ministro da Fazenda, onde permaneceu por muitos anos. Não havia uma interferência dos militares em assuntos econômicos do governo, que se concentravam em problemas de segurança.

Tendo Costa e Silva adoecido e depois falecido, houve um período em que os três ministros militares ocupavam o comando do governo. Os militares do Auto Comando acabaram optando pelo general Garrastazu Médici na Presidência, que tendia a seguir a orientação de Costa e Silva e seu grupo de suporte. Passamos a participar de Assessoria Especial do novo presidente, que elaborou um simples plano estratégico para o novo governo. O que estava recomendado neste plano, o presidente estimulava os ministros a executá-los, inibindo os que não estavam previstos. Ele contava com o preparado ministro Leitão de Abreu na Casa Civil, que dispunha de respaldo do presidente e coordenava o governo.

Médici teve como sucessor Ernesto Geisel, ainda que a preferência militar fosse o Orlando Geisel, que era o seu irmão, e que fora o ministro da Guerra, mas ele não desejava ser o presidente. Ernesto clip_image003Geisel tinha uma tendência mais intelectual, tendo como chefe da Casa Civil o general Golbery do Couto e Silva. Delfim Netto acabou, depois de um breve intervalo, designado para a embaixada na França, de forma bastante conveniente para todos.

Embaixada brasileira em Paris, onde Delfim Netto ficou alguns anos

Na sucessão do presidente Ernesto Geisel, houve uma forte disputa nos bastidores entre muitos candidatos. Acabou-se optando por João Figueiredo, que contava com o apoio de ex-ministros como Mário Andreazza e Costa Cavalcanti, e com Delfim Netto que permanecia em Paris. Como Mário Andreazza não conhecia muito de economia, ele me levava para contatos diretos com João Figueiredo em Brasília. Ele supunha que alguns dos seus antigos auxiliares tivessem passado a apoiar outros candidatos. Visitei alguns deles, meus conhecidos de São Paulo, inclusive no chamado Forte Apache, onde ficava o ministério do Exército, e eles confirmavam que continuavam apoiando Figueiredo. Mas não podiam expressar suas preferências, pois estavam subordinado ao comandante do Exército, Silvio Frota, que era também um dos candidatos à Presidência.

No governo João Figueiredo, o ministro Mario Andreazza ficou no Ministério do Interior, Delfim Netto inicialmente no Ministério da Agricultura e a economia continuava sob comando de Mario Henrique Simonsen. No entanto, como consequência da crise do petróleo, Simonsen resolveu deixar o governo, ficando Delfim Netto com o Planejamento, num período adverso para o Brasil, altamente endividado no FMI – Fundo Monetário Internacional.

O presidente João Figueiredo acabou se adoentado e haviam muitos que pensavam que seria conveniente voltar para um presidente civil, sendo o mais provável candidato Tancredo Neves, então governador de Minas Gerais. Entre outros, o general Danilo Venturini solicitou a minha participação nas viagens semanais confidenciais de negociações em Belo Horizonte, por estar mais treinado para entendimentos políticos. O que não se esperava era a doença de Tancredo Neves e seu falecimento, obrigando que o vice-presidente preparado, José Sarney, assumisse a Presidência num clima de incertezas. Muitos entendiam que o presidente da Câmara dos Deputados de então, Ulysses Guimarães, deveria assumir o cargo de presidente da República, mas ele não o desejava.

Muitos outros episódios envolvendo militares ocorreram, mas para um resumo, o exposto parece suficiente.



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